Sustentabilidade não se limita a grandes discursos — ela acontece (ou não) no chão das fazendas, nos galpões de criação e nas decisões cotidianas de produtores e cooperativas. Um novo estudo sobre a cadeia produtiva do frango no Brasil, um dos maiores exportadores mundiais, revela a real situação das práticas agrícolas sustentáveis. Assim, a pesquisa mostra que, em vez de simplesmente seguir regras impostas por grandes compradores, o sucesso da sustentabilidade depende de relações de confiança, troca de conhecimento e um inesperado “efeito bumerangue”.
Publicado na Journal of Operations Management, o estudo foi conduzido por Susana Pereira e Karina Santos (FGV EAESP), Minelle Silva e Linda Hendry, com foco na avicultura brasileira. Eles analisaram relações entre compradores, fornecedores cooperados e subfornecedores, incluindo 79 entrevistas, visitas a campo e documentos institucionais, usando uma abordagem sociomaterial que considera tanto fatores humanos quanto materiais.
Dessa maneira, a equipe analisou quatro práticas sustentáveis principais: bem-estar animal, biossegurança, gestão de resíduos e condições de trabalho. A única prática totalmente consolidada foi o bem-estar animal. Subfornecedores, mesmo os não certificados, passaram a aplicar rotinas que respeitam as necessidades dos animais, mostrando engajamento real com a prática.
Por outro lado, práticas como gestão de resíduos ainda são, em muitos casos, apenas uma obrigação sanitária, e não uma questão ambiental. Os atores da cadeia entendem as condições de trabalho mais como ferramenta de retenção de funcionários do que como responsabilidade social. Já a biossegurança tem como foco a produtividade, e não na saúde pública ou ambiental.
O papel oculto dos fornecedores na cadeia do frango
Ao contrário do que se costuma pensar, o comprador (empresa que adquire o produto final) nem sempre tem o maior poder de influência. Neste estudo, o fornecedor estudado — uma cooperativa que serve de elo entre o comprador e dezenas de produtores — teve um papel fundamental. Mesmo sem obrigação formal, esse fornecedor transferiu práticas sustentáveis para todos os subfornecedores, inclusive os não certificados.
Esse movimento foi chamado de efeito boomerang: o fornecedor “lança” práticas sustentáveis aos subfornecedores e “recebe de volta” produtos mais seguros e alinhados às exigências de qualidade do mercado.
Portanto, o estudo sugere que a sustentabilidade em cadeias complexas não pode depender apenas de ordens vindas de cima. Ela se constrói com base em trocas de conhecimento, apoio técnico e envolvimento genuíno dos atores da cadeia. O caso da avicultura brasileira mostra que fornecedores de primeiro nível podem ser os grandes protagonistas da sustentabilidade. Isso, desde que recebam autonomia, capacitação e incentivos adequados.
Por fim, a principal lição para profissionais de cadeias de suprimento é clara: invistam em relações cooperativas. Os pesquisadores incentivam a valorização do conhecimento local e a percepção de que os fornecedores são parceiros estratégicos, e não apenas como executores de ordens. Quando bem feitas, essas relações geram um ciclo virtuoso — ou, como diz a pesquisa, um verdadeiro efeito boomerang sustentável.