A transição para uma economia circular exige mais do que soluções técnicas. Ela depende de decisões históricas, valores organizacionais e do engajamento de todos os atores envolvidos. Na cadeia de suprimentos (CS) de cooperativas, a adoção de práticas sustentáveis não é apenas uma resposta às demandas do mercado ou da legislação ambiental, mas sim uma construção histórica. Nesse contexto, um estudo publicado na The International Journal of Logistics Management pelos pesquisadores Minelle Silva, Simone Sehnem e Susana Pereira (FGV EAESP), mostra como o passado influencia o presente e futuro da sustentabilidade em cadeias de produção cooperativas.
Os autores realizaram um estudo de caso único com uma cooperativa de alimentos brasileira, uma das maiores produtoras de proteína animal do país. A pesquisa se baseou em quatro anos de relatórios de sustentabilidade e entrevistas semiestruturadas com múltiplos atores da CS. Isso possibilitou uma análise aprofundada das práticas circulares e sua evolução. Sendo assim, o estudo adota a teoria da dependência da trajetória, que considera que eventos passados moldam os caminhos futuros de uma organização.
A pesquisa identificou duas fases centrais para o surgimento da circularidade na cadeia da cooperativa analisada.
São elas a formação da trajetória, enraizada nos princípios do cooperativismo (como o controle democrático), e o contexto, marcado por ações comunitárias e sociais. Logo, decisões passadas — como a preocupação com contaminação ambiental e a criação de códigos de ética — foram essenciais para o engajamento atual em sustentabilidade.
Porém, dois elementos fundamentais travaram ou direcionaram a trajetória circular da CS: a legislação ambiental e a resistência à mudança. Esses lock-ins ajudaram a consolidar práticas como compostagem de resíduos animais e logística reversa de embalagens de medicamentos. Além disso, a superação desses desafios exigiu o desenvolvimento de capacidades organizacionais como adaptabilidade, empoderamento e uma cultura voltada ao cuidado.
Sustentabilidade como prática diária
A sustentabilidade se tornou uma prática vivida no cotidiano da cooperativa. A criação de um comitê de sustentabilidade, o treinamento de lideranças e a inclusão de produtores nos processos decisórios foram fundamentais para isso. Sendo assim, os entrevistados destacaram que mudanças culturais, como hábitos de descarte e reaproveitamento de subprodutos (penas, vísceras, sangue), só ocorreram quando os resultados se tornaram visíveis e vantajosos para todos os envolvidos.
Portanto, a trajetória de circularidade da cadeia de suprimentos da cooperativa só foi possível graças ao alinhamento entre história, valores cooperativistas e estratégias sustentáveis. Por fim, o estudo demonstra que o desenvolvimento de uma CS circular não é linear, mas sim uma jornada influenciada por escolhas passadas, contextos sociais e capacidades internas. Dessa forma, abre-se uma nova perspectiva para pesquisadores e gestores interessados em transformar cadeias produtivas com base na economia circular e no compromisso coletivo.
Leia o artigo na integra.
Nota: alguns artigos podem apresentar restrições de acesso.