Lívia Kuga, Aluna do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP, Advisor e Consultora em Gestão de Pessoas e Estratégia.
Rafael Tamanini, Aluno do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP, CEO da Volix.
No livro 2001: Uma odisseia no espaço, HAL 9000 gerenciava toda a nave da viagem espacial do personagem principal. Será que estamos tão distantes disso hoje? As decisões estratégicas nas empresas, antes exclusivas dos gestores humanos, começam a ser substituídas por máquinas. A Inteligência Artificial, que começou executando tarefas isoladas e operacionais, agora amplia seu escopo. A questão não é mais se a IA influenciará a tomada de decisão empresarial, mas até que ponto e com quais consequências.
Peter Drucker, um dos maiores pensadores da administração, já antecipava esse movimento em 1967 ao afirmar que, com os computadores assumindo os cálculos, pessoas em toda a organização precisariam aprender a ser executivos e a tomar decisões eficazes. Será que essa previsão se confirmou da maneira que esperávamos? Ou estamos caminhando para um cenário em que, em vez de mais pessoas sendo capacitadas para liderar, veremos a IA assumindo boa parte do comando?
O futuro chegou. Em empresas de todos os portes, profissionais de marketing já delegam à GenAI (como ChatGPT, Gemini, DeepSeek) análises de investimentos e sugestões de campanhas. Advogados utilizam algoritmos para avaliar riscos contratuais. Equipes de RH recorrem à IA para recomendações de contratações e promoções. Se antes as decisões empresariais dependiam de experiência, intuição e conhecimento acumulado, agora a IA participa – e em alguns casos lidera – este processo. E o ritmo dessa mudança só acelera.
Um exemplo extremo, mas ilustrativo, vem da NetDragon Websoft, empresa chinesa que, em 2023, anunciou a nomeação de um CEO algorítmico – um modelo de IA treinado com as decisões dos maiores executivos do mundo. Mesmo sendo o caso do CEOs robóticos mais uma inciativa de marketing do que realidade, a ascensão da IA como agente decisório dentro das empresas já é palpável. Algoritmos gerenciam preços dinâmicos, avaliam desempenho de funcionários e até determinam se alguma solicitação de seguro deve ou não ser aprovada.
Essa transição tecnológica não pode ser vista apenas como uma evolução natural da automação. O que está em jogo é muito maior. A criatividade e inovação dentro das organizações poderão ser prejudicadas se as decisões forem tomadas apenas por máquinas. Um outro ponto é como e quem iremos responsabilizar, dadas as decisões tomadas pelas máquinas. A introdução da IA na gestão não exige apenas uma adaptação operacional, mas uma revolução cultural.
Empresas que não entenderem essa nova dinâmica podem perder competitividade. Entretanto, há um risco igualmente grande para aquelas que abraçarem a IA sem governança sólida: criar ambientes de trabalho onde a agência humana se dilui, pode minar a criatividade, a inovação e até mesmo a ética das decisões empresariais. Além disso, a resistência a essa mudança será ainda mais forte entre os profissionais que temem que a IA substitua seus empregos.
Um erro comum é ver essa transição como um simples embate entre tecnologia e humanidade. O verdadeiro diferencial das empresas do futuro não será substituir humanos por IA, mas sim aprender a integrar os pontos fortes entre IA e humanos. Drucker estava certo ao prever que a tecnologia redefiniria o papel dos gestores. Mas a verdadeira questão agora é: como garantir que os líderes do futuro sejam humanos que dominam a IA – e não o contrário?
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão