Eduardo Winston Silva é aluno do Doutorado Profissional em Administração na FGV EAESP e diretor da Globus Medical no Brasil.
O sistema de saúde brasileiro está ancorado em dois pilares que se complementam: o público, via SUS, e a chamada saúde suplementar. Longe de funcionarem de forma estanque, ambos se retroalimentam. Ao absorver quem pode pagar por um serviço diferenciado, os planos de saúde aliviam parte da pressão sobre o SUS e ampliam o acesso da população a cuidados de qualidade. Cada pilar, porém, carrega fragilidades que precisam ser tratadas com objetividade e coragem.
A equação da saúde é notoriamente difícil de balancear. Estamos diante de bens meritórios; aqueles cuja oferta gera a própria demanda. Novas tecnologias estendem e salvam vidas, mas exercem pressão sobre os custos do sistema. Isso estressa as relações em um ambiente historicamente marcado por baixa confiança entre os agentes.
Nesse contexto, as operadoras cumprem um papel crítico. Elas intermediam recursos de indivíduos e empresas para custear exames, consultas e tratamentos, operando na lógica de um seguro. Contudo, diferentemente de um carro ou imóvel, gasto com saúde não possui teto: varia de acordo com a condição clínica, o prestador, a técnica e a tecnologia empregada.
O resultado é um conjunto de transações permeadas por forte assimetria de informação. Há histórico de indução de demanda, preços exorbitantes e outras práticas oportunistas. Tais práticas aumenta a despesa assistencial das operadoras de saúde elevando aquilo que chamamos de sinistralidade. Como consequência, há momentos em que as despesas operacionais superam as receitas com contraprestações e intercâmbio levando às operadoras a fecharem vermelho, apurando prejuízos operacionais (não considera resultados financeiros).
Esse foi o cenário no Brasil em 2002 e 2023 quando segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) o resultado agregado de todas as operadoras do país foi um déficit de mais de 15 Bilhões de Reais. Em 2024 este resultado agregado se transformou em superávit de 5,1 Bilhões de Reais e agora a ANS divulgou que o resultado operacional de todas as operadoras somou 4,5 Bilhões de Reais somente no primeiro trimestre de 2025. O ganho representa margem de cerca de 5% da receita: confortável, mas nada extraordinário. E é importante lembrar que estamos falando de resultados agregados do setor. Mais de 31% das operadoras do país seguem apurando déficits operacionais, alguns alarmantes. Ainda assim, de maneira surpreendente, a reação dominante no setor foi de indignação ante aos resultados positivos.
Fornecedores apontam retenção de faturamento, glosas e negativas de cobertura. São críticas legítimas e precisam ser enfrentadas. Parte dos reclamantes, no entanto, também contribui para o problema ao adotar condutas oportunistas; outros acabam vítimas colaterais, mesmo atuando de forma ética.
A saída passa por remunerar melhor quem entrega valor e isolar quem captura renda indevidamente. Modelos como o bundled payment, em que o hospital assume responsabilidade pela atenção integral e recebe valor pré-definido por procedimento, já mostram bons resultados. Há outras formas de reorganizar incentivos, mas todas convergem para o mesmo princípio: pagar por qualidade e eficiência, não por volume de serviços.
Os números positivos divulgados pela ANS deveriam ser vistos como sinal de que essa direção é acertada, e não como uma aberração. Contudo, para que o equilíbrio se mantenha, toda a cadeia precisa ser remunerada na justa medida das soluções que oferece. É hora de as operadoras dobrarem a aposta nos parceiros que geram desfechos superiores e afastar, com transparência, quem onera o sistema.
Se falharmos nessa missão, restará o caminho de abandonar a saúde suplementar e migrar para um modelo integralmente público. A escolha, portanto, é coletiva e segue sendo urgente.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão