Stênio Nordau S. Alvarenga, aluno do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP.
A saúde mental no trabalho tornou-se uma preocupação global, com transtornos como depressão, ansiedade e burnout impactando significativamente a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores. Dados recentes mostram que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido a esses problemas, gerando um custo econômico de aproximadamente US$ 1 trilhão. A OMS e a OIT publicaram diretrizes em 2022 para promover ambientes laborais mais saudáveis, mas os números de afastamentos continuam crescendo.
No Brasil, a atualização da Norma Regulamentadora 01 (NR-01), válida a partir de maio de 2025, estabelece medidas obrigatórias para a proteção da saúde mental, incluindo:
• Identificação de riscos psicossociais;
• Treinamento de lideranças;
• Implementação de políticas de prevenção;
• Apoio psicológico;
• Flexibilização de jornadas.
Em 2024, 472,3 mil trabalhadores brasileiros se afastaram devido a transtornos mentais, um aumento de 67% em relação ao ano anterior. Ansiedade e depressão lideram as causas, com o Brasil apresentando a maior taxa de prevalência de ansiedade do mundo (9,3% da população). Fatores como precarização, competitividade excessiva e medo de estigmatização agravam o cenário, levando muitos profissionais a evitarem buscar ajuda.
Estudos revelam que 48% dos trabalhadores brasileiros apresentam risco de saúde mental, 44% sofrem de insônia e 60% são sedentários ou têm sobrepeso. A ascensão da inteligência artificial também preocupa, com 49% dos profissionais temendo ser substituídos por sistemas automatizados.
Christophe Dejours, especialista em psicodinâmica do trabalho, destaca que a gestão algorítmica e a digitalização estão reconfigurando as relações laborais de forma desumanizante. A falta de reconhecimento, o isolamento e a pressão por produtividade exacerbam o sofrimento psíquico, criando fenômenos como o “hikikomori profissional” (isolamento extremo) e a “ansiedade algorítmica”.
Reconfigurando as relações entre trabalho e saúde mental
A crise de saúde mental no ambiente laboral exige uma transformação profunda na forma como organizamos e valorizamos o trabalho. Não se trata apenas de implementar políticas pontuais, mas de repensar estruturalmente as relações de produção para que a dignidade humana deixe de ser sacrificada em nome da produtividade. O reconhecimento crescente do burnout como doença ocupacional pela OMS revela a urgência desse debate, mas ainda estamos longe de uma mudança substantiva.
A digitalização e a automação trouxeram eficiência, mas também aprofundaram a alienação e o controle sobre os trabalhadores. Sistemas algorítmicos de gestão transformam pessoas em meros dados, esvaziando o sentido do trabalho e amplificando ansiedades. A pressão por resultados imediatos, somada à erosão dos vínculos coletivos, cria um terreno fértil para o adoecimento psíquico. O isolamento do teletrabalho, a precarização das relações laborais e o medo da substituição por inteligência artificial alimentam um ciclo de insegurança e sofrimento.
Diante desse cenário, governos, empresas e sociedade precisam agir em pelo menos três frentes complementares. Em primeiro lugar, é essencial regulamentar o uso de tecnologias no trabalho, garantindo que a eficiência não se sobreponha ao bem-estar. A “Lei do Direito à Desconexão”, já adotada em alguns países, é um exemplo de como estabelecer limites claros entre jornada e descanso. Em segundo lugar, as organizações devem substituir modelos de gestão baseados em vigilância por práticas que valorizem a autonomia e a colaboração. Métricas de produtividade precisam incorporar dimensões qualitativas, como criatividade e saúde emocional das equipes. Por fim, é fundamental reconstruir os laços de solidariedade no trabalho, criando espaços onde os trabalhadores possam compartilhar dificuldades e buscar soluções coletivas.
Essa transformação não será fácil, mas é inevitável. As novas gerações já demonstram menor tolerância a modelos laborais opressivos, exigindo ambientes que equilibrem produtividade e qualidade de vida. Empresas que não se adaptarem a essa demanda enfrentarão não apenas crises de saúde mental, mas também dificuldades em reter talentos. O futuro do trabalho depende de nossa capacidade de conciliar inovação tecnológica com respeito à subjetividade humana. Só assim poderemos construir um mundo laboral onde o sofrimento não seja mais visto como inevitável, mas como sinal de que algo precisa mudar.
A abordagem de Dejours reforça a necessidade de reorganizar o trabalho para priorizar a dignidade humana, com espaços de diálogo e reconhecimento. A tecnologia deve ser integrada de forma ética, garantindo que o progresso não sacrifique o bem-estar dos trabalhadores.