Sandro Manteiga, consultor e professor de empreendedorismo da FGV EAESP.
Fabiano Monetti, docente universitário, consultor em gestão empresarial e sócio-diretor da Torvix Consultoria em Gestão.
Progressão na carreira é algo desejado por muitos profissionais. Uma estratégia para alcançar este objetivo é adquirir e exercer poder. O livro “7 Rules of Power: Surprising–but True–Advice on How to Get Things Done and Advance Your Career” (7 Regras do Poder: Conselhos Surpreendentes–Mas Verdadeiros–Sobre Como Fazer as Coisas Acontecerem e Avançar em Sua Carreira), do professor da universidade de Stanford, Jeffrey Pfeffer, apresenta sete diretrizes para quem deseja influenciar e avançar na carreira.Contudo, a aplicação prática destas recomendações deve ser realizada com ética e cautela.
Pfeffer adota uma perspectiva realista e pragmática do poder nas organizações. O poder é compreendido como um capital fundamental na vida profissional, necessário para avançar na carreira e atingir objetivos. Por ser essencial para o sucesso profissional, o poder deve ser cultivado ativamente. Ao dominar as regras do poder, os indivíduos podem navegar pelas realidades organizacionais com mais eficácia. Poder gera poder: aqueles com poder podem moldar regras em seu benefício, criando um ciclo que reforça o seu poder. Para Pfeffer, o poder em si é amoral, ou seja, pode ser usado para fins bons ou ruins. Por isso, na sua visão, algumas estratégias para alcançar e exercer o poder podem ser manipuladoras, mas frequentemente são necessárias em ambientes competitivos. Segundo Pfeffer. o desempenho por si só raramente leva ao poder. Sistemas que alegam recompensar o mérito frequentemente consolidam as desigualdades, por isso a meritocracia é um mito; visibilidade, relacionamentos e política importam mais.
Embora o livro seja escrito em estilo acessível, como um manual prático, seus argumentos são baseados em ampla gama de pesquisas em ciências sociais, que contradizem grande parte da literatura atual sobre liderança, sobretudo no que se refere a conceitos como liderança colaborativa, participativa, autêntica e servidora. As regras 3 “Pareça poderoso” e 4 “Construa uma marca poderosa”, por exemplo, baseiam-se em estudos que demonstram que as pessoas se submetem àqueles que projetam autoridade, por meio da vestimenta ou da confiança que exibem, e que tratam os outros de maneira distinta, de acordo com o status e o poder percebidos. Além disso, o poder é exercido por meio de sinais sociais sutis, potencializados por carisma e imagem. A regra 5, “Faça network sem descanso”, baseia-se em teorias de que o poder advém do controle de recursos críticos, como a informação, e de estudos que demonstram que relacionamentos de dependência criam poder, de que conexões frouxas oferecem mais oportunidades do que laços próximos e de que a ocupação de “vazios” nas redes de contatos permite a intermediação de informações e, consequentemente, o aumento da influência. A regra 6, “Use seu poder”, baseia-se na metáfora das organizações como arenas políticas, onde múltiplas coalizões competem por influência, e na ambiguidade organizacional, que permite a atores poderosos moldar as decisões. A regra 7, “O sucesso perdoa quase tudo”, baseia-se na aversão à perda, que faz com que as pessoas se apeguem ao poder.
A obra, no entanto, é alvo de diversas críticas. O realismo e o pragmatismo de Pfeffer, aliados à sua perspectiva de poder como neutro e amoral, reproduzem a máxima d'”O Príncipe”, de Maquiavel, de que os fins justificam os meios. Comportamentos antiéticos, manipulativos, dissimulados, impositivos e dominantes são não só toleráveis, mas considerados necessários. Como consequência, as relações interpessoais reduzem-se a meras trocas transacionais, a confiança mútua se corrói, ambientes de trabalho tornam-se cada vez mais tóxicos e desigualdades sociais se perpetuam. Além disso, a perspectiva de poder de Pfeffer é amplamente baseada em premissas machistas e chauvinistas. O foco na agência individual minimiza barreiras sistêmicas, como discriminação de gênero, classe e raça, que afetam desproporcionalmente grupos marginalizados. Diferenças culturais na dinâmica de poder são amplamente ignoradas, e generalizações baseadas apenas em histórias de sucesso desconsideram a contrapartida dos (muitos) fracassos. Nesse sentido, muitos críticos defendem que, para evitar as armadilhas do poder, as táticas de Pfeffer devem ser equilibradas com integridade e inclusão, discernimento ético e adaptação contextual.
A seguir, mostramos os prós e contras de cada uma das regras propostas por Pfeffer e oferecemos uma visão equilibrada para que os profissionais ajustem esses comportamentos de forma consciente.
- Liberte-se de suas limitações mentais:
Muitas pessoas se autossabotam acreditando que o trabalho duro por si só garante o sucesso ou que o poder é inerentemente antiético. Além disso, segundo Pfeffer, “ninguém quer ver seu verdadeiro eu sem mentiras”, por isso é preciso evitar a armadilha da autenticidade: “seja fiel ao que os outros querem”. Superar barreiras mentais auto impostas por medos e dúvidas pode impulsionar a autoconfiança e abrir novas oportunidades para o desenvolvimento pessoal e profissional. Porém, o foco exclusivo no autoconhecimento e na autoconfiança pode fazer com que se ignorem críticas construtivas ou contextos estruturais que impedem o sucesso, promovendo uma visão demasiado simplista de problemas complexos.
- Quebre as regras:
Regras convencionais, como, por exemplo, “espere sua vez” ou “seja modesto” frequentemente impedem o progresso. É preciso desafiar as normas, se necessário. Pessoas de sucesso contornam ou quebram regras para se destacar. Romper com convenções pode abrir portas para a inovação. Esse comportamento, contudo, também carrega o risco de minar estruturas e processos que foram estabelecidos por razões fundamentadas. O incentivo a quebrar regras sem critérios éticos ou análise cuidadosa pode resultar em comportamentos erráticos, prejudicando a confiança dos colegas e a estabilidade organizacional, além de criar um ambiente propenso a disputas e conflitos.
- Pareça poderoso:
A percepção importa tanto quanto a realidade. As pessoas julgam o poder com base em sinais como confiança, vestimenta e linguagem corporal. Por isso, é preciso cultivar uma imagem poderosa: comunicar-se de forma assertiva, utilizando inclusive tom de voz mais alto e interrompendo outras pessoas, manter postura firme e “vestir-se para o cargo que deseja”. Investir na imagem e na aparência de poder pode favorecer o impacto inicial, mas também pode deslocar o foco da competência real para a manipulação de percepções. Se essa ênfase for excessiva, pode levar a uma dissonância entre a imagem projetada e a habilidade efetiva. Isso tende a corroer relações colaborativas e fomentar uma cultura mais orientada à influência política do que a resultados tangíveis.
- Construa uma marca poderosa:
A reputação molda oportunidades, por isso visibilidade e autopromoção são cruciais. O profissional deve gerenciar ativamente a narrativa sobre a trajetória em todos os meios para garantir que os outros conheçam suas realizações. A construção de uma marca pessoal robusta pode ser vantajosa, mas quando levada ao extremo pode transformar a identidade profissional em um exercício de autopromoção exagerada. Essa obsessão pelo branding pessoal pode resultar em egoísmo e narcisismo e distorcer os valores essenciais de colaboração e autenticidade. Além disso, pode incentivar ou reforçar uma cultura em que o verdadeiro mérito é ofuscado por estratégias de marketing pessoal em detrimento do trabalho em equipe.
- Faça networking sem descanso:
Relacionamentos são multiplicadores de poder. Talentos isolados muitas vezes passam despercebidos. Por isso, é preciso construir alianças estratégicas entre hierarquias e gerar reciprocidade, priorizando conexões com pessoas influentes. Embora manter uma rede de contatos ativa seja imprescindível para o sucesso, insistir em networking de forma incessante pode transformar relações em meras transações, desprovidas de profundidade e confiança genuína. Esse comportamento pode resultar em parcerias superficiais, na exaustão emocional e na perda de autenticidade, fazendo com que o indivíduo perca a oportunidade de construir conexões baseadas em valores compartilhados e reciprocidade verdadeira.
- Use seu poder:
Hesitar em exercer o poder enfraquece, enquanto a decisão reforça a autoridade. Por isso é preciso tomar decisões ousadas, receber o crédito quando devido e não fugir do conflito quando necessário. Aplicar o poder é preciso para transformar ideias em ações e consolidar a liderança. A utilização estratégica da própria influência pode impulsionar resultados positivos e gerar um ciclo virtuoso de reconhecimento e autoridade. Entretanto, o uso desmedido do poder sem um referencial ético sólido pode desencadear práticas autoritárias, abusos e criação de ambientes opressores e tóxicos. É fundamental equilibrar a autoconfiança com a humildade e a empatia, para que o poder se converta em instrumento de transformação sem comprometer a integridade da equipe e da organização.
- O sucesso perdoa quase tudo:
O poder protege os poderosos, mesmo no contexto de quebra de regras. Efeito “Mateus”: “o sucesso gera mais sucesso”. Muitas pessoas querem e precisam acreditar na meritocracia e em um mundo justo para dar sentido a suas vidas, por isso o viés cognitivo de confirmação leva-as a acreditar que pessoas poderosas são trabalhadoras, competentes e merecem o sucesso e que seus comportamentos imorais são justificáveis e mesmo necessários. Acreditam que aqueles que estão no poder têm o direito de (re)escrever a história. Além disso, as pessoas permanecem associadas aos que detêm poder e agem de forma moralmente questionável, porque querem trabalhar e estar ao lado dos bem-sucedidos. O êxito na carreira frequentemente ofusca deslizes, dando margem à ideia de que os resultados positivos podem justificar métodos controversos. Essa visão pode incentivar a tomada de decisões arriscadas e até antiéticas, pois o bom desempenho pode, em alguns casos, encobrir práticas inadequadas. Apesar de o sucesso gerar a possibilidade de um “bônus de confiança” em momentos de falha, é crucial lembrar que a ética e a transparência não podem ser comprometidas. Manter um equilíbrio entre resultados e princípios é vital para a construção de uma liderança duradoura e respeitada.
Cada uma das sete regras de Pfeffer contribuem para o avanço na carreira, mas também trazem riscos que podem prejudicar a própria carreira e minar a solidez das relações e da cultura organizacional. Para gestores e profissionais, o desafio reside em aproveitar o melhor de cada estratégia, mas sem abrir mão do cuidado com as implicações éticas e humanas que sustentam um ambiente de trabalho saudável. Refletir criticamente sobre esses pontos pode ser a chave para transformar o poder em um trunfo sustentável e positivo no desenvolvimento profissional.
Para além de regras práticas para ascensão profissional, o livro de Pfeffer oferece a oportunidade de refletirmos criticamente sobre como as dinâmicas de poder efetivamente operam nas organizações e como carreiras de sucesso são muitas vezes construídas. Pode-se discordar das prescrições de Pfeffer por serem moralmente questionáveis, mas dificilmente quem já vivenciou o dia a dia das organizações, sobretudo em círculos mais próximos ao centro de poder, discordará de sua descrição da realidade organizacional. As pessoas que adquirem e exercem poder nas organizações frequentemente comportam-se tal como Pfeffer sugere. Ainda que o discurso organizacional negue essa lógica, mecanismos subjacentes a reproduzem e reforçam. Alguns estudiosos da obra de Maquiavel conjecturaram sobre a hipótese de que “O Príncipe” tivesse sido escrito para conscientizar o povo florentino sobre a verdadeira natureza de seus governantes. Verdadeira ou não, essa hipótese é sem dúvida oportuna para questionarmos se, inadvertidamente, Pfeffer não nos oferece uma oportunidade de compreender a que estamos submetidos.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão