Rômulo Banhe, Mestrando em Gestão para Competitividade FGV EAESP, especialista em Inteligência Artificial. Head of Information Technology no Grupo La Moda.
Diego Albino Figueiredo, Mestrando em Gestão para Competitividade FGV EAESP, especialista em Data-Driven Marketing. Chief Digital Officer no Grupo La Moda.
A Inteligência Artificial (IA) deixou de ser ficção futurista e tornou-se estratégica. Assistentes virtuais, algoritmos preditivos, copilotos de produtividade e sistemas de recomendação já são rotina em empresas que buscam inovar e competir. Mas antes de embarcar no hype tecnológico, responda sinceramente: seus dados estão prontos para suportar IA?
Pode parecer simples, mas esta pergunta carrega uma complexidade crítica, pois modelos de IA aprendem exclusivamente a partir dos dados que recebem. Dados inconsistentes, incompletos, enviesados ou mal estruturados levam diretamente a decisões erradas, modelos imprecisos e perdas financeiras, reputacionais e legais.
No entusiasmo impulsionado pelo mercado, muitas empresas estão adotando rapidamente soluções de IA, pressionadas pela urgência de inovação e pela necessidade de acompanhar os concorrentes. Esse hype, porém, tem um efeito colateral perigoso: a tentação de pular etapas essenciais, especialmente no preparo dos dados. A consequência é que muitos projetos são lançados de forma precipitada, sem a base necessária para entregar resultados consistentes, gerando frustração e prejuízos significativos. Antes de aderir ao próximo grande avanço tecnológico, pergunte-se: sua organização está preparada para sustentá-lo?
Exemplos concretos não faltam:
- Em 2018, a Amazon interrompeu um projeto de IA para recrutamento após descobrir que seus algoritmos discriminavam candidatas femininas, devido a dados históricos enviesados.
- A Microsoft precisou tirar do ar o chatbot Tay em menos de 24 horas após seu lançamento, em 2016, porque o sistema aprendeu rapidamente com mensagens preconceituosas recebidas no Twitter, evidenciando os perigos de dados não monitorados.
Nos últimos anos, o meio acadêmico vem aprofundando discussões sobre arquiteturas descentralizadas, especialmente o paradigma do Data Mesh, que propõe uma mudança radical na forma como organizações gerenciam seus dados. Originalmente concebido por Zhamak Dehghani em seu influente artigo How to Move Beyond a Monolithic Data Lake to a Distributed Data Mesh (2019), esse conceito ganhou novos contornos com a organização dos domínios de Data Mesh proposta pelo artigo Data-Driven Information Systems: The Data Mesh Paradigm Shift publicado por Machado, Costa e Santos na 29ª Conferência Internacional de Information Systems em 2021 (UPV, Valência). Ambos destacam que abordagens estruturadas e descentralizadas ajudam a superar desafios de qualidade, governança e maturidade de dados, essenciais para o sucesso da IA.
Para não cair na armadilha da baixa qualidade de dados, executivos devem começar com ações simples e pragmáticas: realizar auditorias regulares para avaliar a qualidade dos dados; definir claramente quem é o responsável pela governança dessas informações; implementar ferramentas que identifiquem rapidamente inconsistências e vieses; e envolver áreas-chave da empresa na criação de políticas práticas para gestão contínua dos dados. Essas iniciativas básicas constroem a base necessária para avançar em arquiteturas complexas, como o Data Mesh.
Além dos impactos financeiros e operacionais, a baixa qualidade dos dados traz consequências éticas e sociais relevantes. Algoritmos treinados com informações enviesadas ou incompletas podem amplificar preconceitos, gerar discriminação e reforçar injustiças sociais já existentes. Esses efeitos não se limitam apenas ao contexto externo das organizações, mas também impactam profundamente a maneira como nos organizamos profissionalmente. A ascensão da IA redefine o trabalho, exigindo novas habilidades e criando funções como o citizen data scientist, que atua sem ser um cientista de dados tradicional, mas que têm competências para analisar e interpretar dados impulsionando mudanças profundas na operação e cultura das empresas.
Estudos recentes reforçam como a Inteligência Artificial, especialmente a generativa, está transformando profundamente o mercado de trabalho. De acordo com o relatório Generative AI and the Future of Work (2023), publicado pela Deloitte, a IA mudará significativamente a estrutura das atividades profissionais como conhecemos hoje. A PwC complementa essa perspectiva, destacando que a produtividade dos setores mais expostos à IA cresceu impressionantes 4,8 vezes, enquanto a demanda por profissionais com competências em IA aumentou em 3,5 vezes.
Não há dúvida: organizações que pretendem liderar na era da IA precisam primeiro liderar na gestão inteligente dos seus dados. Se você ainda não tem clareza sobre a situação dos dados em sua empresa, talvez seja hora de pausar novos investimentos em IA e concentrar-se em preparar seu terreno. Afinal, investir em IA sem dados sólidos não é inovação; é apenas acelerar erros caros e decisões equivocadas em larga escala.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão