Michel Garcia, aluno do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP, Mestre em Gestão para Competitividade pela mesma instituição. Economista (UNESP) e CFO do Grupo Ellenco
O mercado brasileiro de fundos de investimento imobiliário (FIIs) tem crescido em volume de ativos, número de investidores e sofisticação dos produtos. Ainda assim, uma limitação estrutural compromete a avaliação de desempenho e o próprio desenvolvimento do setor: a ausência de benchmarks segmentados por tipo de FII. O uso exclusivo do IFIX como referência leva à comparação inadequada entre fundos de naturezas distintas, como os de recebíveis (papel) e os de imóveis físicos (tijolo). Essa abordagem distorce análises de risco-retorno, incentiva alocações enviesadas e desestimula a diversificação e a inovação. O benchmark único tem funcionado como uma bússola descalibrada.
O IFIX é o principal índice do mercado de fundos imobiliários da B3. Ele reúne os FIIs com maior liquidez e presença em pregão, refletindo o desempenho médio de suas cotações. Entre janeiro de 2022 e dezembro de 2024, o índice acumulou alta de 11,19%. Ainda assim, o IFIX não separa os diferentes tipos de fundos — como os de papel e os de tijolo — nem mostra como cada um responde aos ciclos do mercado. Por isso, seu uso como referência pode gerar comparações distorcidas entre ativos com perfis muito diferentes.
Fundos de papel, estruturados com Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), têm liderado os rankings de rentabilidade, especialmente em contextos de juros elevados, dado que suas taxas de remuneração estão atreladas ao CDI ou à inflação. No entanto, esse desempenho reflete mais a natureza dos ativos do que uma gestão superior ou uma tese imobiliária bem construída. Compará-los com fundos de tijolo, sujeitos à volatilidade patrimonial, ciclos de vacância e renegociação de contratos, produz uma ilusão de eficiência. Isso pode induzir o investidor a concluir, de forma equivocada, que o fundo mais rentável é, automaticamente, o mais bem posicionado, sem considerar a real natureza do investimento.
Essa distorção afeta o comportamento dos investidores, que tendem a concentrar a parcela de suas carteiras dedicada ao segmento imobiliário nos fundos de papel, atraídos por retornos historicamente elevados. Além disso, compromete a atuação de gestores especializados e inibe o lançamento de novos produtos alinhados à atividade imobiliária tradicional. A ausência de benchmarks por tipo de ativo também dificulta a construção de carteiras balanceadas e o uso de métricas mais adequadas para avaliar risco.
Essa limitação se torna ainda mais relevante diante do crescimento do setor. O número de investidores em FIIs superou 2,5 milhões em 2024, segundo dados da B3. O volume de negociações ultrapassou R$ 90 bilhões no mercado secundário, e o número de operações cresceu mais de 30% em relação ao ano anterior. Além disso, houve uma retomada vigorosa nas emissões de cotas em 2024, sinalizando o retorno do apetite por novos projetos. Trata-se de uma indústria em expansão que, no entanto, ainda carece de ferramentas analíticas compatíveis com sua escala.
O mercado americano é o mais desenvolvido do mundo na classe de ativos imobiliários. Os Real Estate Investment Trusts (REITs), equivalentes aos FIIs no Brasil, também buscam gerar renda e oferecer exposição ao setor. Nos Estados Unidos, os índices desenvolvidos pela FTSE Russell e pela Nareit classificam os REITs não apenas por estrutura — como equity, mortgage ou híbrido –, mas também por setor: residencial, escritórios, varejo, logística, saúde, entre outros. Essa segmentação viabiliza comparações mais consistentes e decisões de investimento mais fundamentadas, permitindo distinguir retornos provenientes de boa gestão daqueles atribuíveis ao perfil dos ativos.
Essa estrutura favorece o surgimento de produtos como ETFs setoriais e a comparação mais justa entre gestores. Ela também amplia a transparência e atrai investidores institucionais. No Brasil, a falta desses índices limita esse avanço. O mercado precisa de benchmarks que reflitam os diferentes tipos de FIIs. A B3, junto de entidades como Anbima, provedores de dados e escolas de negócios, pode liderar a criação de índices por segmento.
Enquanto todos os FIIs forem avaliados por um único índice, o mercado continuará a apresentar distorções. Benchmarks segmentados são essenciais para alinhar risco, retorno e transparência. Sem referências adequadas, a indústria dificilmente alcançará maior maturidade. O desafio está lançado: é hora de calibrar a régua.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão