Mariane Camicado, Mestre em Administração de Empresas pela FGV EAESP e executiva do setor educacional.
Os fundos endowment, ou fundos patrimoniais, têm como objetivo dar sustentabilidade financeira a uma organização sem fins lucrativos, com foco no longuíssimo prazo, uma vez que preserva o seu valor principal e utiliza apenas os seus rendimentos para o financiamento das atividades previstas em sua missão. O principal objetivo é estimular a independência das organizações, que se tornam capazes de manter suas operações de forma autônoma, mesmo na impossibilidade de acesso a fontes tradicionais de receita e doações, o que é providencial em tempos de crises econômicas e escassez de recursos públicos e privados.
Apesar de serem estruturas populares no mercado norte-americano, tem chamado a atenção o crescimento do mercado brasileiro de fundos endowment nas últimas duas décadas. De acordo com dados do Anuário de Desempenho dos Fundos Patrimoniais 2023, publicado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), há, no Brasil, 74 fundos dessa natureza, que somam R$ 156 bilhões em patrimônio. Em 2021, a primeira edição do mesmo anuário mapeou 40 fundos com R$ 13 bilhões de patrimônio. No entanto, não são observadas no Brasil as mesmas condições que sustentaram o sucesso desses fundos nos EUA.
Atualmente, o mercado norte-americano é referência no tema, com destaque para os fundos ligados às universidades que somam US$ 873 bilhões de patrimônio provenientes de 658 instituições, conforme dados do ano fiscal de 2024, publicados pela National Association of College and University Business Officers (NACUBO), com destaque para os fundos da Universidade de Harvard (US$ 51 bi), Yale (US$ 41 bi) e Stanford (US$ 37 bi).
Além das causas educacionais, os fundos endowment são frequentemente usados para o apoio a causas culturais, filantrópicas e ações de interesse social, como, por exemplo o Metropolitan Museum of Art (US$ 3 bi), a Open Society Foundation (US$ 25 bi) e a Ford Foundation (US$ 14 bi), de acordo com dados dos sites das instituições. Segundo especialistas, esse patamar foi alcançado a partir da existência de condições particulares como forte cultura de doação, incentivos legais e tributários, estabilidade econômica e governança robusta. Já no Brasil, apesar da mobilização das Organizações da Sociedade Civil (OSCs), ainda não foi criado ambiente semelhante para o desenvolvimento do investimento social privado e, mais especificamente, para a contribuição a endowments. Um passo importante foi dado com a publicação da Lei n. 13.800/2019 que estabelece regras de governança para os fundos endowment no Brasil. Entretanto, a adesão à disposição legal ainda é tímida, sob o argumento de que os fundos foram criados antes da promulgação da lei, de que há custos elevados de adaptação ou de que as organizações já possuem regras de governança instituídas, não impactando possíveis doadores. Avançando para a gestão financeira, há uma quantidade considerável de fundos criados nos últimos 5 anos, ainda em fase de constituição de patrimônio, o que torna as organizações dependentes de captações de recursos.
A criação de um ambiente favorável é essencial para a ampliação de oportunidades para o futuro. Do lado da gestão pública, o fortalecimento da legislação e a criação de benefícios fiscais para doadores podem estimular a expansão do mercado, em quantidade de fundos e em volume de patrimônio. O setor privado, mais interessado, apoiará o desenvolvimento da cultura de doação, hoje pautada majoritariamente em doações diretas, assistencialistas e pontuais. Já as organizações precisam concentrar esforços na profissionalização dos fundos, contemplando as fases de captação, gestão dos recursos e prestação de contas, essenciais para atratividade e manutenção de doadores.
O Brasil estaria preparado para consolidar o modelo de fundos endowment como meio de financiamento das organizações sem fins lucrativos no longo prazo? Não há dúvidas de que se trata de um modelo promissor para financiamento das OSCs, mas ainda são necessários ajustes para que ele se consolide de forma efetiva no Brasil. Os avanços foram muitos, mas há um longo caminho a percorrer para o aperfeiçoamento da gestão, para que organizações, governo e sociedade consigam desfrutar dos benefícios, essenciais diante da urgência das causas sociais no país.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
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