Eduardo Chukr Mafra Ney, Diretor de Finanças com carreira consolidada em multinacionais. Pós-graduando do Doutorado Profissional em Finanças e mestre em finanças pela FGV EAESP. Possui experiências internacionais em Finanças e Marketing na University of New Orleans, Administração na University of California in Irvine e Finanças Corporativas na Ohio University. Professor de Finanças Corporativas e Planejamento Estratégico.
Helena Rangel Margem, Executiva do mercado financeiro, pós-graduanda do Doutorado Profissional em Finanças pela FGV EAESP. Possui mestrado em Finanças e Economia Empresarial pela EPGE-FGV e graduação em Administração pelo IBMEC-RJ. É professora convidada no IBMEC, onde leciona a disciplina Data Driven Business, com foco em Finanças ESG, Gestão de Projetos e Finanças. Detém a certificação em ESG Investing pelo CFA Institute.
O avanço da Inteligência Artificial (IA) nas finanças sustentáveis é uma realidade em expansão. À medida que cresce a demanda de investidores por informações ESG (ambientais, sociais e de governança), a IA desponta como a solução mais promissora para preencher essa lacuna com dados confiáveis e em tempo real. Estamos diante de uma virada histórica, onde algoritmos inteligentes atuam como catalisadores de um sistema financeiro mais ético e transparente.
A IA já transforma as finanças sustentáveis ao fornecer dados relevantes, identificar padrões complexos e adaptar-se continuamente às dinâmicas de mercado. Quando integrada ao blockchain, a IA viabiliza inteligência descentralizada e sistemas autônomos, criando uma sinergia baseada em transparência, segurança e imutabilidade nas transações.
Ferramentas como aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural processam milhares de documentos e dados abertos para gerar análises de riscos ESG, ajudando empresas a tomar decisões mais robustas. Empresas como BlackRock, Morgan Stanley e HSBC já incorporaram IA em suas operações, usando-a para identificar oportunidades de investimento, otimizar portfólios e até rastrear greenwashing. O impacto? Eficiência operacional, melhor gestão de riscos e decisões alinhadas aos princípios de sustentabilidade global.
O potencial de aplicação da IA é vasto. Na automação da gestão financeira, ela melhora a qualidade dos dados ESG e reduz custos operacionais. Na alocação de recursos, algoritmos preditivos detectam os projetos alinhados às metas ambientais, como energia limpa ou infraestrutura verde, maximizando retorno e contribuindo para uma economia justa e resiliente.
Outro campo estratégico é a análise de risco, onde a IA permite a identificação antecipada de vulnerabilidades, de eventos climáticos extremos a mudanças regulatórias. Modelos geoespaciais, por exemplo, avaliam o risco de inundações ou desmatamentos em tempo real, oferecendo insights inviáveis com métodos convencionais. Isso fortalece o portfólio dos investidores e as decisões de governança das empresas avaliadas.
A eficiência operacional também se beneficia enormemente. A IA antecipa demandas, reduz desperdícios logísticos e monitora a pegada de carbono com sensores satelitais. Esses ganhos extrapolam a dimensão financeira: promovem modelos de negócios mais enxutos e compatíveis com os compromissos ambientais. Assim, empresas tornam-se mais competitivas enquanto atendem às exigências de responsabilidade climática.
No combate ao greenwashing, a IA é uma aliada poderosa. Algoritmos são capazes de identificar inconsistências em relatórios de sustentabilidade e classificar declarações infundadas, protegendo investidores e fortalecendo a confiança no mercado. Essa verificação automatizada aumenta a transparência e evita o desvio de recursos para práticas apenas esteticamente sustentáveis.
No entanto, essa sofisticação técnica também levanta alertas sobre riscos éticos, vieses e dependência excessiva de modelos opacos. Um dos principais desafios é a transparência algorítmica. Muitos modelos operam como “caixas-pretas”, dificultando a rastreabilidade das decisões. Isso se torna crítico quando falamos de investimentos com forte impacto social e ambiental. A ausência de clareza pode minar a confiança do mercado e abrir espaço para práticas de “machinewashing”, simulando responsabilidade corporativa sem respaldo verdadeiro. A governança de dados e algoritmos torna-se, assim, peça-chave.
Além disso, o próprio uso da IA possui impacto ESG. O treinamento de modelos consome grandes volumes de energia, gerando emissões de carbono. A extração e o uso de dados sensíveis geram dilemas de privacidade. Há ainda a substituição de funções humanas por automação, exigindo requalificação da força de trabalho para evitar desequilíbrios sociais.
Automatizar processos não pode significar abdicar do julgamento humano, especialmente em temas sensíveis como justiça social e equidade ambiental. A IA não possui consciência ética, nem responde legalmente por suas ações. Por isso, sua atuação precisa ser monitorada por comitês multidisciplinares que assegurem a convergência entre inteligência computacional e princípios humanos. Para que a IA de fato atue como propulsora das finanças sustentáveis, é essencial implementar estruturas sólidas de auditoria, criar benchmarks éticos, estabelecer protocolos de mitigação de riscos e investir em capacitação contínua. A criação de um “código verde algorítmico” — com diretrizes claras de como a IA deve operar no contexto ESG — pode ser o ponto de partida para uma revolução verdadeiramente sustentável.
Não basta termos algoritmos sofisticados. Precisamos de responsabilidade, supervisão e, sobretudo, coerência com os valores que norteiam a sustentabilidade. A IA deve ser vista como uma ferramenta para potencializar decisões e não como substituta do julgamento humano. O futuro das finanças sustentáveis não será apenas digital ou verde — será, acima de tudo, ético.
Nota
Para saber mais sobre o tema, leia: Código verde: a nova fronteira das finanças sustentáveis | GV-EXECUTIVO
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão