Stênio Nordau S. Alvarenga, Aluno do Doutorado Profissional em Administração – DPA da FGV EAESP
O título deste artigo é parte de uma citação do médico-psiquiatra e psicanalista francês, Christophe Dejours, que emergiu como um dos pensadores mais influentes do século XXI na análise das relações entre trabalho, saúde mental e sociedade. Professor no Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM) de Paris, ele é considerado o principal expoente da Psicodinâmica do Trabalho, campo que investiga como as condições laborais moldam a subjetividade humana, gerando tanto sofrimento patogênico, quanto em contextos favoráveis, realização e criatividade.
Em continuidade ao último artigo aqui publicado – Alerta geral ao futuro do trabalho! – apresentamos neste alguns caminhos sob a ótica de Dejours, para que a relação empregado-empresa seja mais equilibrada e virtuosa entre as partes.
Dejours conceitua o sofrimento e prazer no trabalho, diferenciando o sofrer patogênico (que adoece), quando o trabalhador não tem recursos (autonomia, apoio coletivo, reconhecimento) para lidar com as pressões, do sofrer criativo (que pode levar à realização), que ocorre quando o trabalhador consegue ressignificar o sofrimento através da ação coletiva, criatividade ou reconhecimento, superando desafios com apoio da equipe e sentindo orgulho ao resolver problemas complexos. Para o pesquisador, a forma como as empresas organizam tarefas, avaliam desempenhos e (des)valorizam os trabalhadores, determina o sofrimento no trabalho, portanto, não basta tratar o trabalhador doente, é preciso curar o trabalho que adoece. Medicalizar o sofrimento no trabalho, tratando um burnout por exemplo, apenas com remédios, sem mudar as causas, não promoverá uma melhoria consistente na relação. As clínicas do trabalho então surgem como alternativa e passo na direção de uma mobilização coletiva mais abrangente.
Clínicas do trabalho
Dejours desenvolveu o conceito das clínicas do trabalho, como um espaço de escuta e transformação das relações laborais. Essas clínicas não são apenas dispositivos terapêuticos individuais, mas ferramentas coletivas para entender e combater o sofrimento no trabalho. São espaços de discussão e análise onde trabalhadores podem falar sobre suas experiências, dificuldades e estratégias de enfrentamento no ambiente laboral. Inspiradas na psicanálise e na ergonomia, elas têm três objetivos principais:
– Identificar fontes de sofrimento relacionadas à organização do trabalho;
– Promover o reconhecimento entre colegas e gestores;
– Propor mudanças concretas nas condições de trabalho.
Na prática, funcionam como grupos de discussão onde trabalhadores de uma mesma empresa ou setor se reúnem para relatar suas vivências, sem a presença de chefias, para evitar censura, garantindo um ambiente seguro, onde Psicólogos, ergonomistas ou consultores especializados ajudam a interpretar os problemas e propor soluções.
As demandas levantadas são encaminhadas para a gestão, pressionando por mudanças organizacionais. As clínicas do trabalho surgem como alternativa porque dão voz aos trabalhadores, pois muitos não denunciam más condições por medo de demissão ou estigma. Explicitam contradições organizacionais, pois mostram a diferença entre o trabalho prescrito (o que a empresa exige) e o trabalho real (o que o funcionário realmente faz). Fortalecem a resistência coletiva, pois a solidariedade entre colegas é um antídoto contra a alienação.
O movimento de implementação da Clínica já é uma realidade em Hospitais franceses, onde médicos e enfermeiros a utilizaram para combater o esgotamento por jornadas excessivas. Em Indústrias automotivas, onde os Operários relataram como a pressão por produtividade gerava acidentes, levando a mudanças nos processos.
No Brasil, alguns sindicatos e universidades têm experimentado modelos similares, principalmente em setores com alto índice de adoecimento, como call centers e transporte. O desafio agora é vencer a resistência patronal que muitas vezes enxergam preconceituosamente a CT como ameaça, pois questionam a gestão e seu controle, podem reduzir produtividade em prol da saúde do trabalhador e dependem de parcerias especializadas.
Os efeitos das intervenções são difusos e de longo prazo, gerando ainda ceticismo em comparação a soluções técnicas rápidas (como medicar um trabalhador com estresse).
As resistências refletem tensões entre lógicas distintas: saúde × produtividade, coletivo × individual, transformação × manutenção do status quo. Superá-las exige articulação política interna (papel importantíssimo do RH), formação crítica de profissionais (maturidade) e mobilização dos trabalhadores para que as clínicas não sejam apenas espaços de escuta e reclamações (lista de desejos), mas sim de luta por trabalho digno.
Como bem disse Dejours: “Quando o trabalho adoece em silêncio, a clínica do trabalho é o grito que recusa a naturalização da dor.”
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão