Marcelo de Araújo dos Santos é Doutorando em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Graduado em Administração. Possui MBA em Gestão Empresarial, Gestão de Projetos e Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria. Atualmente, é Assessor Executivo da Presidência do Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB), com foco em planejamento estratégico, gestão financeira e articulação institucional. Tem experiência como professor acadêmico, conselheiro em instituições de fomento e turismo, além de forte atuação em pesquisas sobre microcrédito, empoderamento feminino e inclusão financeira.
Em tempos de transformação acelerada, bancos tradicionais têm recorrido à compra de fintechs como uma estratégia para acelerar sua digitalização, renovar a experiência do cliente e manter a competitividade. À primeira vista, parece uma solução promissora: unir o melhor dos dois mundos. No entanto, muitas dessas aquisições acabam frustrando expectativas. O problema raramente está na fintech escolhida. O verdadeiro dilema começa depois da assinatura do contrato. É na hora de integrar que tudo se complica. O que fazer quando um banco robusto e regulado adquire uma empresa leve, ágil e inovadora?
É nesse ponto que surge a necessidade de desenvolver o que os estudiosos da gestão chamam de ambidestria organizacional. Esse conceito, apesar do nome técnico, tem aplicação prática urgente. Trata-se da capacidade de uma organização de atuar bem em duas frentes ao mesmo tempo: exploração e explotação. Explorar significa experimentar, inovar, arriscar. Explotar, por outro lado, envolve aproveitar o que já funciona, buscando eficiência, estabilidade e controle. O desafio está em fazer as duas coisas sem que uma anule a outra.
A maioria dos bancos está estruturada para a explotação. Possui governança sólida, regras claras, foco em conformidade regulatória e métricas de desempenho previsíveis. Já as fintechs operam no território da exploração, com cultura experimental, testes rápidos, pouca aversão ao erro e foco contínuo no cliente. Quando uma instituição financeira tradicional tenta integrar uma fintech usando seus processos e estruturas rígidas, é comum que a startup perca velocidade, talento e propósito. A inovação morre. Silenciosamente.
Nos últimos anos, vimos exemplos emblemáticos de grandes bancos adquirindo fintechs promissoras em busca de inovação digital. Em muitos desses casos, o entusiasmo inicial foi seguido por uma fase de estagnação, marcada pela saída de fundadores, queda na velocidade de entrega e perda da cultura ágil que diferenciava a fintech no mercado. Plataformas de pagamento, bancos digitais e startups de crédito passaram a operar sob estruturas mais rígidas, com camadas adicionais de governança e processos que, embora bem-intencionados, dificultaram a continuidade da inovação. Esses casos mostram que, mesmo com recursos financeiros abundantes e capacidade de investimento, os bancos frequentemente subestimam o desafio cultural e organizacional da integração.
Além disso, o tempo se revela como uma variável crítica. As primeiras semanas após a aquisição são decisivas. É nesse intervalo que talentos-chave podem sair, que a cultura começa a se diluir e que os sinais de ruptura silenciosa se tornam visíveis. Muitos bancos percebem tardiamente que perderam ativos intangíveis, como agilidade, engajamento e conhecimento do cliente, antes mesmo de concluírem a fase de integração formal.
Ser ambidestro, portanto, não é adotar um “meio-termo”. É criar conscientemente mecanismos que permitam a convivência produtiva de culturas e modelos diferentes. Isso exige decisões estruturais, como permitir que a fintech continue operando com certa autonomia e, também, comportamentais, como lideranças que saibam transitar entre contextos diversos e facilitar a conexão entre as partes.
O problema se agrava com a pressão por resultados de curto prazo. Executivos são cobrados por sinergias rápidas, corte de custos e padronização. A tentação de impor o modelo do banco sobre a fintech é grande. E, muitas vezes, fatal. Por outro lado, permitir liberdade total sem qualquer alinhamento estratégico também pode gerar riscos. A solução está no equilíbrio consciente e intencional.
Nesse contexto, a narrativa organizacional ganha papel estratégico. Mais do que um discurso, ela é um instrumento de alinhamento simbólico entre as partes. Bancos que comunicam de forma clara porque compraram determinada fintech e o que esperam dela no futuro criam um espaço comum de entendimento. Já aqueles que deixam o processo correr no improviso abrem margem para ruídos, frustrações e conflitos.
A literatura especializada aponta que, para que operações de fusão e aquisição realmente gerem valor, é fundamental que a organização disponha de uma arquitetura organizacional flexível, capaz de permitir modularidade, autonomia e coordenação entre unidades com ritmos e objetivos distintos. Além disso, são necessárias capacidades integrativas, que articulem conhecimento, recursos e culturas de forma sistêmica e adaptável. Por fim, é essencial manter narrativas institucionais coerentes, que conectem estratégia, identidade e comportamento de forma alinhada.
Esses três elementos não são apenas boas práticas. São recomendações concretas que ajudam a transformar a integração em vantagem competitiva real. A ausência deles costuma levar a resultados frustrantes, mesmo quando a aquisição em si parecia promissora.
Importante lembrar: integrar não é absorver. É construir um caminho no qual a fintech continue sendo inovadora, sem deixar de estar conectada à lógica estratégica do banco. E isso só é possível com liderança preparada, visão de longo prazo e disposição para conviver com tensões criativas.
Bancos que ignoram essa complexidade pagam caro. Perdem talentos, tempo, dinheiro e, principalmente, a chance de realmente inovar. Já aqueles que tratam a integração como uma competência organizacional estratégica têm mais chances de fazer valer cada centavo investido, porque, no fim, o sucesso em operações de fusão e aquisição não vem apenas da aquisição certa, mas da capacidade de integrar de forma inteligente e intencional.
E você, se fosse liderar a integração de uma fintech em seu banco hoje, seguiria repetindo as fórmulas do passado ou estaria pronto para repensar a forma como a inovação vive (ou morre) dentro da sua organização?
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão













