Thierry Jean é francês, no Brasil desde os anos 90, administrador de empresa, formado pela Neoma Business School (França e Inglaterra). Tem atuado em pequenas e grandes startups. É cofundador e presidente do Instituto de Tecnologias Geo-sociais AddressForAll, que mantém uma base aberta e colaborativa de endereços na América Latina e advoga a favor da publicação dos dados de endereços pelos governos
Eduardo de Rezende Francisco, Professor de GeoAnalytics, Chefe do Departamento de Tecnologia e Data Science da FGV EAESP e fundador do GisBI, participa do desenvolvimento de plataformas de informação e de IA, com objetivos sociais, pesquisador do FGVanalytics
A integração entre dados estatísticos e geoespaciais é crucial para uma tomada de decisão informada e baseada em evidências. As Nações Unidas, por meio do seu Marco Global Estatístico-Geoespacial (Global Statistical Geospatial Framework – GSGF), têm enfatizado a importância de que os institutos nacionais de estatística publiquem seus endereços geocodificados. No entanto, vários institutos da América Latina ainda não adotaram essa prática devido a preocupações legais e de privacidade, além da falta de informação ou consciência sobre seus benefícios. Embora alguns institutos tenham lido o GSGF, não compreenderam completamente que, quando ele se refere a ‘referências de localização padronizadas e de alta qualidade’, está falando de endereços geocodificados.
A Recomendação das Nações Unidas
O GSGF das Nações Unidas estabelece cinco princípios-chave para a integração de dados estatísticos e geoespaciais. O Princípio 1, Uso de Infraestrutura Geoespacial Fundamental e Geocodificação, ressalta a necessidade de criar infraestrutura que permita a geocodificação precisa das unidades estatísticas. Isso inclui a publicação de endereços geocodificados, essenciais para atribuir coordenadas precisas e referências espaciais padronizadas a cada unidade estatística.
Benefícios da Publicação de Endereços Geocodificados
A publicação desses dados oferece diversos benefícios para a análise estatística e a formulação de políticas, bem como:
– Maior precisão e qualidade dos dados, o que melhora a geocodificação e, consequentemente, a confiabilidade das análises.
– Integração de dados, que permite conectar estatísticas a informações geográficas, enriquecendo o contexto analítico.
– Utilidade transversal, impactando desde o planejamento urbano até respostas a emergências.
Na saúde pública, por exemplo, permite melhor alocação de serviços médicos. Na educação, facilita a definição de locais para novas escolas e o roteamento do transporte escolar. No comércio e na logística, endereços precisos garantem a eficiência na entrega de bens e serviços.
Desafios e Preocupações na América Latina
Apesar dos benefícios, muitos institutos da região ainda não publicam os dados devido a questões legais e de privacidade, especialmente pela cultura estatística focada na proteção de dados pessoais. Todos os países possuem leis de sigilo estatístico, semelhantes entre si, que garantem a privacidade dos dados. Essas leis, criadas antes da digitalização, não abordam diretamente a publicação de endereços, que tradicionalmente eram tratados como parte dos dados censitários. No entanto, os próprios profissionais desses institutos vêm decidindo publicar esses dados, entendendo que são dados abertos e não informações pessoais.
Uso de Dispositivos Móveis em Censos Recentes
Durante os censos recentes, muitos institutos utilizaram dispositivos móveis para registrar latitude e longitude dos domicílios visitados. Isso levou alguns a considerar esses dados como parte do censo e, portanto, como dados pessoais. Contudo, os institutos que publicam esses dados argumentam que registrar endereço e coordenadas pode ser feito por qualquer empresa de mapeamento, prefeitura ou concessionária, sendo assim, não são dados privados, desde que não estejam associados a nomes de indivíduos.
Boas Práticas na Região
Alguns institutos latino-americanos já adotaram a prática com sucesso:
– Brasil (IBGE): pioneiro na publicação e uso desses dados para qualificar suas estatísticas.
– Uruguai (INE): facilitou a integração entre dados estatísticos e espaciais.
– México (INEGI): aumentou a transparência e o acesso aos dados.
– Colômbia (DANE): melhorou a qualidade e utilidade das estatísticas públicas.
– Chile (INE): possibilitou análises mais contextualizadas e precisas.
Importância de Aproveitar os Investimentos Censitários
Censos populacionais, exigidos por organismos como o Banco Mundial, contam com grandes orçamentos para coletar dados atualizados e precisos sobre a população. Os institutos cartográficos, por outro lado, não têm orçamento para visitar todos os domicílios. Portanto, é estratégico aproveitar o investimento feito nos censos para compor uma base de endereços geocodificados, maximizando os recursos públicos.
Conclusão
A recomendação da ONU para publicação de endereços geocodificados é uma oportunidade para elevar a qualidade dos dados estatísticos. Apesar das preocupações legais, é fundamental reconhecer que, quando dissociados de dados pessoais, os endereços são informações públicas. Os institutos da América Latina devem compreender que as ‘referências de localização padronizadas’ citadas no GSGF se referem a esses endereços.
Com os cuidados adequados, é possível garantir privacidade e, ao mesmo tempo, ampliar a transparência e a eficácia das políticas públicas. Seguindo o exemplo de países como Brasil, Uruguai, México, Colômbia e Chile, mais países da região podem adotar essa prática e transformar dados censitários em ativos estratégicos para o desenvolvimento sustentável.
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