Por: Eduardo H. Diniz e Manuela Lorenzo
Diante das crises ambientais, sociais e energéticas que marcam o século XXI, surgem no Brasil iniciativas inovadoras que combinam inclusão financeira, desenvolvimento local e sustentabilidade. Entre essas, destacam-se as moedas verdes e moedas solares — sistemas de troca comunitária que vinculam práticas ecológicas a incentivos econômicos. Essas moedas, apoiadas por bancos comunitários de desenvolvimento (BCDs) e redes de economia solidária apoiadas por governos locais, representam uma nova fronteira na criação de instrumentos financeiros orientados por valores sociais e ambientais.
As moedas comunitárias têm trajetória consolidada no Brasil desde o final dos anos 1990, com o pioneirismo da moeda social Palmas, em Fortaleza (CE). Atualmente, mais de 180 moedas operam em diversas localidades, em nível comunitário ou municipal. A digitalização dessas moedas locais facilitou sua adoção via aplicativos e cartões, garantindo maior transparência e eficiência nas transações.
Dentro dessa trajetória, as moedas verdes surgem como uma evolução natural, articulando política ambiental e economia local. Essas moedas recompensam práticas como reciclagem de materiais ou manejo de resíduos orgânicos, permitindo que moradores troquem seus esforços ecológicos por crédito utilizável no comércio local. Municípios como Igarapé-Açu (PA) e Santiago (RS) exemplificam esse modelo processando centenas de toneladas de resíduos por ano, gerando renda, reduzindo impactos ambientais, e promovendo a educação ambiental.
Mais recentemente, o conceito evoluiu para as moedas solares ou fotovoltaicas, que convertem energia solar em valor monetário. Trata-se de uma resposta concreta à pobreza energética e à necessidade de transição para matrizes limpas e descentralizadas. O Brasil, com sua alta incidência solar e grandes desigualdades regionais, é um território especialmente fértil para esse tipo de inovação.
O projeto Palma Solar, lançado em 2025 pelo Banco Palmas, é um marco nesse campo. Famílias da periferia de Fortaleza passaram a adquirir até 150 kWh mensais de energia solar por preços reduzidos. Metade do valor pago retorna aos consumidores na forma de Palma Solar — moeda digital aceita no comércio local. Parte do excedente da produção energética é reinvestido na expansão da usina solar, criando um ciclo virtuoso entre acesso à energia, dinamização econômica e sustentabilidade ambiental. Atualmente, o projeto está em fase inicial, mas já se articula com universidades e comunidades para ser replicado em outras localidades.
Essas experiências atribuem valor efetivo a comportamentos ecologicamente responsáveis, como iniciativas em Curitiba que desde início dos anos 1990 trocam recicláveis por alimentos. A incorporação da energia solar a esse modelo resulta de avanços tecnológicos (como a queda no custo dos painéis fotovoltaicos), mobilizações comunitárias e apoio institucional crescente. Em 2024, 96 prefeitos eleitos no Brasil propuseram em seus programas de governo implementar moedas municipais, sendo 38 com foco ambiental[1].
Além dos benefícios econômicos e ambientais, essas moedas fortalecem o capital social e a mobilização comunitária. A participação dos moradores — seja separando resíduos, monitorando consumo energético ou utilizando moedas digitais — promove senso de pertencimento, aprendizado coletivo e práticas de governança local participativas.
Contudo, a escalabilidade desses modelos depende de fatores como investimento inicial, capacitação técnica, infraestrutura tecnológica e arcabouço legal apropriado. A ausência de métricas padronizadas também dificulta a avaliação do impacto dessas iniciativas. Além disso, em regiões remotas, essa implantação encontra obstáculos logísticos e institucionais.
Ainda assim, as oportunidades superam os obstáculos. Acesso a tecnologias digitais, apoio de universidades e organizações da sociedade civil, e emergência de políticas públicas mais sensíveis à questão climática oferecem uma base promissora. Internacionalmente, casos de moedas verdes – na Europa (ex.: Pago em Lixo), Asia (ex.: Green$), EUA (ex.: Cash for Trash) – e moedas solares – na Europa (ex.: VillaWatt), EUA (ex.: Brooklyn Microgrid) e África (ex.: ECOWAS) mostram que o Brasil está alinhado com uma tendência global de experimentação financeira ecológica.
As moedas verdes e solares demonstram que é possível reinventar o dinheiro como ferramenta de transformação social e ecológica. Mais do que meios de pagamento, elas são infraestruturas cidadãs que redefinem o valor econômico a partir de práticas coletivas voltadas ao bem comum. Ao unir justiça ambiental, inovação social e economia solidária, essas moedas apontam para futuros energéticos mais justos, sustentáveis e enraizados nos territórios.
[1] Moedas municipais, transferência de renda e economia solidária nas propostas dos prefeitos eleitos em 2024 – https://eaesp.fgv.br/producao-intelectual/moedas-municipais-transferencia-renda-e-economia-solidaria-propostas-prefeitos