Por: Luis Henrique Vasconcellos
O convite para participar do projeto de cálculo da pegada de carbono veio há pouco mais de um ano pelo nosso Centro de Sustentabilidade – FGVces. Sempre gostei do tema de automóveis. Foi um daqueles casos em que temos a sorte de receber por um assunto que gostamos de estudar! Além disso, a ideia de ter um carro elétrico sempre me encantou. O silêncio ao dirigir, a aceleração instantânea e a promessa de um ar mais limpo pareciam o caminho óbvio para um futuro sustentável. Mas, ao investigar mais a fundo, descobri uma verdade incômoda: fabricar um carro elétrico pode gerar mais emissões de CO2 do que produzir um carro a gasolina, antes mesmo de ele rodar o primeiro quilômetro.
Este artigo não é um ataque aos carros elétricos – eles são cruciais para a transição energética. É, sim, um convite para entender o quadro mais amplo, especialmente a fase de produção, conhecida como “do berço ao portão”.
Desvendando o “Berço ao Portão”
A Análise de Ciclo de Vida (ACV) avalia o impacto ambiental de um produto desde a extração de matérias-primas até seu descarte. A fase “do berço ao portão” foca na produção: mineração, processamento e montagem até o veículo sair da fábrica. É aqui que o carro elétrico enfrenta desafios. Enquanto um carro a combustão emite mais durante o uso, o elétrico concentra grande parte de seu impacto ambiental na fabricação.
O principal responsável por essa “dívida” de carbono é a bateria. Fabricar baterias de íon-lítio é um processo intensivo em energia e materiais. Lítio, cobalto, níquel e grafite, extraídos de lugares como América do Sul, Congo e Austrália, exigem mineração, transporte e refino, processos que consomem muita energia e geram emissões significativas. A montagem das células e do “pack” da bateria também é complexa. A pegada de carbono varia conforme a matriz energética do local de produção: uma bateria feita na China, onde o carvão predomina, emite muito mais do que uma produzida na Europa, com mais energia renovável.
Os Números na Mesa: Estudos, como os do International Council on Clean Transportation (ICCT) e publicados em revistas como Journal of Cleaner Production, mostram que as emissões na produção de um veículo elétrico a bateria (BEV) podem ser 30% a 70% maiores do que as de um veículo a combustão (ICEV) de tamanho similar. A bateria sozinha responde por 30% a 50% dessas emissões.
A possível redenção no Ciclo de Vida
Apesar do impacto inicial, o carro elétrico compensa essa “dívida” ao longo do uso. Sem emissões no escapamento, ele começa a superar o carro a combustão no chamado “ponto de equilíbrio”. Esse ponto depende da matriz energética local. Em países com energia limpa, como Noruega ou Brasil, pode ser alcançado em 20.000 a 30.000 km rodados. Em locais com energia mais poluente, pode chegar a 80.000 km ou mais. Estudos do ICCT indicam que, ao longo de sua vida, um carro elétrico na Europa ou EUA emite 60% a 70% menos CO2 do que um a gasolina. No Brasil, com uma matriz mais limpa, a vantagem é ainda maior.
Essa realidade mudou minha percepção. Não desisti dos elétricos, mas me tornei mais consciente e exigente. A transição para a mobilidade elétrica exige melhorias em toda a cadeia, começando com dados claros sobre a pegada de carbono da produção, produção limpa nas fábricas, novos tipos de baterias para reduzir impactos e sistemas eficientes para reciclar baterias.
Além disso, devemos questionar nossos hábitos. Eletrificar a frota é importante, mas será suficiente sem priorizar transporte público, micromobilidade e um uso mais racional do carro? Será que realmente faz sentido ter uma SUV (elétrica ou não) para um deslocamento individual num raio de 2 km no entorno de sua residência?
Gostaria de concluir apontando que a jornada para a mobilidade sustentável é complexa. Os carros elétricos são parte da solução para reduzir a poluição e combater as mudanças climáticas, mas sua produção, especialmente das baterias, ainda gera um impacto ambiental significativo. Ignorar isso não ajuda. Entender a realidade nos permite cobrar mais inovação, transparência e responsabilidade da indústria. A transição para o elétrico é necessária, mas deve ser feita com olhos abertos, garantindo que a solução de hoje não vire o problema de amanhã.
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