Por :Gabriel Silva Cogo
Uma busca na internet por “failed AI projects” em 2025 nos retorna previsões de que, até 2027, 70% dos projetos de Analytics e IA vão ser considerados como tendo retornos abaixo do esperado ou simplesmente fracassos. Esses valores podem até assustar, mas para quem trabalha com desenvolvimento de software, eles estão bem parecidos com os valores históricos de outros projetos de implementação de tecnologia nas organizações. O PMI por exemplo, que existe desde 1969, sempre teve como objetivo reduzir estes índices de projetos fracassados. Por que, então, o número de projetos que não atingem seus objetivos teima em não diminuir?
Obviamente, existe o fator hype. As empresas tendem a seguir tendências tecnológicas em manada, mesmo sem ter o conhecimento da tecnologia em si ou a maturidade de processos internos necessária para que a adoção seja benéfica ao negócio. Inúmeros outros fatores ajudam a explicar estes números, como investimento ou tempo insuficiente para a implementação apropriada do projeto, cenários irrealistas de retorno rápido, treinamento dos usuários, entre outras. Neste cenário, existe um fator que é constantemente ranqueado entre um dos principais causadores de fracassos em projetos: a cultura da organização. Acompanhando diversos profissionais da área de tecnologia no Linkedin, pude notar que muitos deles buscam trazer o debate de cultura organizacional para as redes sociais. Isso demonstra uma mudança de mentalidade, em que empresas de tecnologia observam a cultura organizacional como fator relevante de sucesso. Entretanto, o discurso não traz cultura como ferramenta de debate aberto e, sim, como propaganda do sucesso da cultura de sua própria empresa.
Uma pesquisa acadêmica de alta relevância sobre o assunto de cultura em organizações de tecnologia trouxe, duas décadas atrás, uma frase que me marcou muito: “Cultura só é percebida quando há conflito”. É um debate que eu trouxe para a sala de aula durante muitos anos. Eu vejo o assunto cultura ser tratado por executivos como algo positivo e saudável. Mas somente com a intenção de aprender sobre cultura de maneira transparente podemos realmente descobrir como transformar de verdade nossa empresa, e com isso gerar um sucesso maior em nossos projetos. Para que isso aconteça, perguntas difíceis tem de ser feitas. Porque muitas empresas possuem dificuldade em manter projetos dentro do prazo e do custo? Porque muitas áreas não conseguem se comunicar dentro do projeto e resolver diferenças? Porque existe tanta resistência à mudança dentro da organização? Porque diversos projetos fracasssam quando a diretoria propõe expectativas de sucesso não baseadas na realidade atual da empresa?
Numa pesquisa com executivos de tecnologia liderada por um aluno sobre o assunto, eu especificamente pedi para que a pergunta “Como a gerência lida com CONFLITO dentro da empresa?” fosse realizada. Nos diversos casos pesquisados surgiram respostas interessantes. Uma em particular me marcou. Um executivo de alto nível de uma grande empresa de consultoria respondeu à pesquisa com a seguinte afirmação: “Aqui na nossa empresa não há conflito”. Eu prefiro me abster de opinar sobre esta resposta além, obviamente, do meu sentimento de incredulidade. Deixo aberto aos leitores suas próprias considerações.
Mas eu volto aos posts do Linkedin sobre cultura. O debate nas redes profissionais sobre a cultura da empresa me parece ter algum nível de hipocrisia. Pois ele vem geralmente acompanhado de elogios a única e maravilhosa cultura que a empresa possui, sem que exista nada passível de melhora. Obviamente o ambiente de redes profissionais seria inadequado para um debate mais aprofundado, mas essa necessidade de mostrar uma cultura de excelência acaba por se passar como forçado. A literatura sobre cultura nos ensina a entender conflito como algo intrínseco a todas as organizações. Eu digo isto pois minha experiência em desenvolvimento de software e organizações em geral me leva a duas conclusões importantes.
- Falhas e conflitos vão acontecer. Fingir que eles não existem dentro da empresa não é saudável, porque eles vão acabar estourando mais cedo ou mais tarde;
- Como a empresa lida com falhas e conflitos diz muito sobre a capacidade da empresa de se comunicar e, principalmente, APRENDER.
Cultura é algo difícil de medir e, por consequência, de melhorar. Leva tempo, custa bastante e os resultados muitas vezes são quase imperceptíveis. Mas, para mim, existe um pequeno recorte observável da cultura da empresa que acaba nos dizendo bastante sobre a organização como um todo. Eu costumo dizer que o melhor dia para se observar uma empresa é quando algum incidente médio ou grave acontece, não importando o motivo (se foi alguma vulnerabilidade externa ou falha interna). O que importa é a maneira como a organização trata esse incidente. Claro que vão existir muitas formas, mas eu vou simplificar a discussão em três categorias.
Se a empresa busca bodes expiatórios, dá desculpas vazias, e trata os mensageiros da situação também como culpados, ela é tóxica.
Se a empresa cria burocracia e processos para responder aos incidentes, mas depois de resolvido eles se perdem e nunca resultam em nada além de promessas, até que aconteçam novamente, ela é burocrática.
Se os incidentes levam a perguntas, curiosidade sobre os motivos do incidente e, principalmente, sobre como utilizar esta oportunidade para melhoria e aprendizado, ela é generativa.
A pergunta que eu faço ao leitor, então, é: Observando como a sua empresa lida com incidentes, em qual das três categorias você acredita que ela se encaixaria?
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