Tarcísio J. Beceveli Jr. – tarcisio.beceveli@hotmail.com
Pós-graduando do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP e Diretor de Negócios Digitais responsável pelo Valor PRO, sistema de informações em tempo real do jornal Valor Econômico –
Eduardo de Rezende Francisco – eduardo.francisco@fgv.br
Professor de GeoAnalytics e IA, Chefe do Departamento de Tecnologia e Data Science da FGV EAESP e fundador do GisBI, participa do desenvolvimento de plataformas de informação e de IA, com objetivos sociais, pesquisador do FGVanalytics
O mercado de jornais tradicionais vem passando por uma transformação significativa. Esse processo de mudança, que se intensificou nas últimas décadas, é impulsionado pelo declínio do modelo de negócios tradicional, predominantemente baseado em publicidade e assinaturas, e pela rápida evolução das novas tecnologias. As diferentes ondas de adoção tecnológica que vêm ocorrendo desde a última década, como transformação digital, big data, analytics e inteligência artificial (IA), externaram de forma contundente esse contexto.
Muitas empresas do setor enfrentaram dificuldades em lidar simultaneamente com o declínio de seus modelos tradicionais e o desenvolvimento de novos modelos digitais, resultando no fechamento de várias delas. Essa habilidade de equilibrar e gerenciar as atividades de exploração de novos negócios, por um lado, e a busca por eficiência nos negócios existentes, por outro, é conhecida como ambidestria organizacional. No setor de jornais, a ambidestria se manifesta em várias áreas, incluindo a gestão de modelos de negócios e o uso de tecnologias de informação para produção e distribuição de conteúdo.
A ambidestria na gestão de modelos de negócios envolve a capacidade dos jornais de encontrar um equilíbrio entre a exploração de novas oportunidades e a eficiência nas operações dos modelos existentes. Clayton Christensen, que foi um renomado pesquisador e professor de inovação na Harvard Business School, enfatizava a importância de reconhecer e adaptar-se às inovações disruptivas.
Para os jornais tradicionais, isso não se limita apenas à digitalização, mas também à busca de novas formas de monetização do conteúdo. Exemplos de exploração de novos modelos incluem a implementação de publicidade nativa (branded content), o licenciamento de conteúdo para outras plataformas e a organização de eventos temáticos. Paralelamente, a busca por eficiência nas operações existentes envolve a automação e a otimização dos processos editoriais, de produção e distribuição da versão impressa, visando aumentar a eficiência e reduzir custos sem comprometer a qualidade jornalística.
No que diz respeito à tecnologia da informação, a ambidestria está relacionada à integração eficaz entre inovação e operações eficientes. Neil Turner, professor da Cranfield University, discute a necessidade de combinar novas tecnologias com a manutenção da eficácia operacional. Para os jornais, isso significa investir em tecnologias emergentes enquanto preserva a estabilidade das operações atuais. Entre as tecnologias emergentes, a inteligência artificial (IA) e o big data são notáveis. A IA é utilizada para personalizar o conteúdo, otimizar a publicidade e analisar o comportamento dos leitores, proporcionando uma experiência de leitura mais personalizada, dentre outros usos. A adoção da IA nos mais diferentes mercados foi notável e, no mercado de jornais, os desafios se acumularam ainda mais. Ao mesmo tempo, a busca por eficiência requer o uso de infraestrutura segura para garantir a confiabilidade dos sistemas e a proteção dos dados dos leitores.
Alguns jornais conseguiram superar as dificuldades e lidar com os desafios da ambidestria de maneira exemplar. The New York Times, por exemplo, implementou com sucesso assinaturas digitais e diversificou suas receitas com conteúdo exclusivo para assinantes. Em termos de tecnologia, o jornal utiliza IA para personalização de conteúdo e otimização de anúncios. The Guardian, por sua vez, desenvolveu um modelo híbrido de financiamento, combinando receitas de assinaturas e doações de leitores. Além disso, The Guardian investe em plataformas digitais robustas e seguras.
A experiência dos jornais oferece valiosas lições para empresas de outros setores que enfrentam desafios de transição em seus modelos de negócios. Ao adotar os princípios da ambidestria organizacional, empresas podem equilibrar melhor seus recursos e estratégias. Algumas ações úteis incluem: primeiro, aplicar conceitos de ambidestria para balancear a alocação de recursos entre operações tradicionais e novas iniciativas; segundo, buscar eficiência nos processos existentes para enfrentar a queda nas receitas tradicionais; terceiro, aumentar investimentos no desenvolvimento de novos modelos de negócios para garantir a sustentabilidade a longo prazo; e quarto, adotar tecnologias emergentes que contribuam para a criação, entrega e captura de valor.
Portanto, mesmo que o setor de jornais possa parecer específico, algumas lições sobre ambidestria organizacional extraídas de sua experiência podem ser aplicadas a outras indústrias. As práticas de balancear inovação e eficiência, gerenciar mudanças e explorar novas oportunidades enquanto se mantém a eficácia das operações existentes são essenciais para enfrentar com sucesso os desafios de transição em qualquer setor.
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