O mundo está mudando, e a forma como ensinamos administração e gestão também precisa mudar. Durante muito tempo, o ensino nessas áreas foi baseado principalmente em teorias e práticas desenvolvidas em países desenvolvidos, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Muitas vezes, ignorando diferentes culturas, histórias e realidades. Portanto, a proposta de “decolonizar o currículo” surge como um convite para tornar o ensino mais justo, inclusivo e conectado com o mundo real. Isso é especialmente relevante para tornar o conhecimento em administração mais relevantes para os países do Sul Global. Esse é o caso do Brasil, por exemplo, em que os contextos socioeconômicos e institucionais são muito distintos.
Decolonizar o ensino: por onde começar
O pesquisador da FGV EAESP, Amon de Barros, publicou um artigo com os pesquisadores baseados no Reino Unido e no México – Martyna Śliwa, Stephanie Decker, Kingsley Omeihe e Ajnesh Prasad na revista internacional Management Learning. Os autores argumentam a favor de uma mudança progressiva e consciente na forma como as escolas de negócios ensinam. Eles propõem o conceito de “modéstia ontológica” como ponto de partida. Propõem a reflexão contínua sobre o que é possível fazer e como se deve agir de modo a construir um ambiente de ensino-aprendizagem mais aberto a conhecimentos e perspectivas locais. Eles também devem vir de fora do cânone da administração americanizada. A ideia é os pesquisadores se disporem a abraçar oportunidades de aumentar os espaços de inclusão de ideias e pessoas, mesmo que aos poucos.
Valorizar mais os saberes do Sul Global
Eles observam que ideias vindas do Norte Global ainda dominam o conhecimento em gestão, com pouca valorização das experiências e saberes de outras partes do mundo. Muitas vezes, o que se aprende nas salas de aula parece distante da realidade de quem está estudando. Além disso, o avanço profissional de professores e pesquisadores ainda depende, em grande parte, da publicação em revistas estrangeiras e do ensino em inglês. Isso que reforça desigualdades, já que essas publicações muitas vezes se concentram em torno de um corpo de conhecimentos reconhecido, com menos espaço para alternativas e, mesmo, para inovação.
Sendo assim, para começar a transformar esse cenário, o estudo sugere algumas ações. Escolher estudos de caso que representem a diversidade cultural dos alunos, discutir de forma crítica a origem e os interesses por trás dos conceitos ensinados são algumas delas. Além disso, incluir vozes do Sul Global no conteúdo. Tudo isso precisa ser feito com consciência de que não será possível mudar tudo de uma vez, mas é possível caminhar na direção certa com esforço contínuo.
Além disso, decolonizar o currículo não é apenas mudar conteúdos, mas repensar o papel das escolas de negócios na sociedade. Isso inclui a conscientização dos professores sobre a importância de expandir as abordagens que estão presentes em seus cursos. Os autores defendem que o processo de decolonizar deve incluir diálogo, paciência e reconhecimento dos desafios específicos de cada contexto. Assim, não se trata de abandonar o conhecimento já estabelecido, mas de abrir espaço para novos saberes e perspectivas, valorizando a pluralidade.
Um exemplo prático foi a criação do guia Decolonising the Curriculum, que teve seu desenvolvimento liderado pelas co-autoras do artigo, professoras Martyna Sliwa e Stephanie Decker, pesquisadoras da British Academy of Management. O guia apresenta dicas e sugestões para professores que querem começar essa transformação.
Pensar um futuro diferente para os estudos de administração e gestão
Por fim, a proposta de decolonizar o ensino em gestão é, acima de tudo, um convite à humildade e ao compromisso. É entender que grandes mudanças começam com pequenos passos – como incluir outras vozes, repensar exemplos e refletir sobre o impacto do que se ensina. Com essa abordagem de modéstia ontológica, é possível criar um ensino mais justo, diverso e conectado com o mundo em que vivemos e nos quais os gestores atuam.
Se você é estudante, professor ou profissional da área, essa reflexão também é sua. Afinal, mudar a forma de ensinar é um passo importante para mudar a forma como gerenciamos e nos relacionamos no mundo.
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