Construídas de forma colaborativa e coletiva, as lideranças das favelas lembram muito pouco a imagem de liderança de um único indivíduo que se coloca como um representante de determinado grupo. Em capítulo de livro publicado pela Emerald, pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), discutem as peculiaridades das lideranças de comunidades e mostram que essa forma de organização é eficiente em gerar impacto local, transformando a realidade de vulnerabilidade social e econômica de suas comunidades.
Escrito a partir dos resultados de um estudo qualitativo realizado durante dois anos em três favelas de São Paulo, o capítulo traz depoimentos de líderes e residentes das comunidades pesquisadas, mostrando as formas como as comunidades se esforçam em reduzir as vulnerabilidades sociais e econômicas locais por meio de práticas de liderança. Segundo os pesquisadores, ficou evidente que as lideranças se formam como uma resposta para necessidades bastante locais e geralmente estão associadas a um propósito compartilhado por aquela comunidade.
“O que mais nos impactou foi perceber a transformação gerada pelas lideranças e residentes diante de um estado ausente e da falta de políticas públicas”, relata Renato Souza, da FGV EAESP, um dos autores do capítulo. “A ação coletiva tem sido a solução prática que consegue reduzir a vulnerabilidade dessas localidades”, ressalta o pesquisador.
Lideranças das favelas rejeitam hierarquias e posições de autoridade
Apesar da capacidade de coordenar a realização de atividades e ações de maneira eficiente e com impacto local, as lideranças que emergem podem não se reconhecer ou se chamar de líderes, principalmente por entenderem que estão “ecoando” uma necessidade local. Dessa forma, é como se os líderes comunitários nas favelas fossem tanto líderes de um grupo quanto “liderados” pelos desejos e necessidades daquele coletivo, e as dinâmicas das relações que se estabelecem torna complexo determinar, em muitos casos, quem lidera e quem é liderado.
A ausência de hierarquia ou de posições formais de autoridade não impede que cada coletivo trabalhe para criar as condições de transformação social necessárias. Muitas vezes, a pluralidade é inclusive benéfica, porque nenhum indivíduo da favela consegue, de maneira solitária, “fazer a ponte” com influenciadores ou legitimadores que possam ajudar a avançar questões sociais de difícil solução. “A multiplicidade e a pluralidade de residentes que são reconhecidos como lideranças e que surgem para endereçar diversos problemas locais (como educação, habitação e violência) ampliam o impacto e o potencial de transformação dessas ações e a sua abrangência nas comunidades”, explica Souza.
No correr do capítulo, uma das principais provocações dos pesquisadores é que quando se fala sobre o desenvolvimento de lideranças, muitas vezes o significado é muito voltado a uma questão individualista, pensando em desenvolver líderes. O que a favela traz é uma nova dinâmica, que exige pensar a perspectiva da liderança coletiva, na qual líderes e liderados constroem juntos a liderança e os seus resultados. “É preciso repensar o desenvolvimento da liderança para que as ações não fiquem restritas aos indivíduos em posição formal de autoridade, mas que coloque mais ênfase nos aspectos relacionais e coletivos de um grupo, equipe ou organização”, sugere o pesquisador.