Mesmo após quinze meses, a maior parte dos profissionais de saúde pública no Brasil que atuam na linha de frente no combate à Covid-19 ainda afirmam não se sentirem preparados para enfrentá-la. Segundo relatório da Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP), a sensação de despreparo para o enfrentamento à pandemia atinge mulheres negras de forma mais intensa. Apenas 21,78% delas se dizem preparadas para o trabalho durante a pandemia, taxa que cresce para 43,9% entre os homens brancos.
O relatório apresenta dados obtidos por meio de enquete online realizada com 1.829 profissionais de saúde atuando na linha de frente de combate da Covid-19 entre os dias 1 e 20 de março de 2021. Ele faz parte de uma série de estudos realizados pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB-FGV), em parceria com a Fiocruz e a Rede Covid-19 Humanidades ao longo de 2020 e 2021 para compreender as percepções destes profissionais sobre suas condições de trabalho durante a pandemia de Covid-19.
Esse relatório se diferencia dos anteriores por adotar uma perspectiva interseccional de gênero. Diante de relatos nas fases anteriores da pesquisa, principalmente de mulheres, sobre a sobrecarga de trabalho doméstico durante a pandemia, foram incluídas perguntas específicas sobre esse tema nesta fase da pesquisa.
Apesar da maioria apresentar sensação de despreparo, no geral os homens se sentem mais preparados do que as mulheres para a atuação profissional como agentes de saúde pública, independente da raça (homens 38,83% e mulheres 27,76%).
Além da sensação de despreparo, a saúde mental dos profissionais segue sendo um assunto preocupante. Quando perguntados se acreditavam que sua saúde mental havia sido impactada durante a pandemia, 67,3% dos homens e 83,7% das mulheres afirmaram que sim, uma diferença marcante de 15,4% que demonstra um viés de gênero. O marcador de raça não parece tão forte, apesar de demonstrar que as pessoas brancas perceberam sua saúde mental mais impactada do que as pessoas negras, tanto entre os homens, quanto entre as mulheres.
Os profissionais que participaram da pesquisa também foram questionados sobre mudanças nas dinâmicas do trabalho doméstico, com resultados que reforçam a maior dedicação das mulheres aos cuidados com o lar na comparação com os homens: 51% delas dedicam mais de 14 horas por semana à função, contra 39% dos homens. “Percebemos que as mulheres reportaram uma falta de apoio e compreensão da chefia para lidar com a sobrecarga de trabalho doméstico e as dificuldades de cuidados com familiares durante a pandemia”, ressalta Gabriela Lotta, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
Segundo os pesquisadores, os dados do relatório podem ser um bom instrumento para gestores públicos para a proposição e implementação de políticas públicas voltadas a esse público, sob a lente dos recortes de gênero e suas interseccionalidades. “É preciso debater as desigualdades de gênero em relação ao trabalho doméstico e suas consequências para as profissionais de saúde e para o trabalho essencial que elas exercem”, encoraja Lotta.