As políticas de cuidado são iniciativas de combate à desigualdade que buscam oferecer condições básicas – como alimentação, saúde e higiene – a grupos necessitados. No Brasil, uma dessas iniciativas foi o Brasil Carinhoso, programa do governo federal que, entre 2012 e 2015, teve o objetivo de fortalecer os direitos e o cuidado com crianças de até 6 anos de idade. Por sua abordagem múltipla, essa e outras políticas de cuidados podem se beneficiar de visões integradas, como a intersetorialidade e a transversalidade.
A intersetorialidade refere-se à integração de diferentes setores públicos para enfrentar um problema complexo – como saúde, educação e nutrição para o desenvolvimento infantil, por exemplo. Já a transversalidade é a incorporação de perspectivas de igualdade de gênero nas políticas públicas. Nas políticas de cuidado, isso significa dar visibilidade e garantir os direitos dos cuidadores – em sua grande maioria, mulheres.
A análise está em artigo publicado pela pesquisadora da FGV EAESP Marta Ferreira Santos Farah e colaboradores na revista “Cadernos de Pesquisa”, da Fundação Carlos Chagas. Para entender o papel desses atributos no Brasil Carinhoso, as pesquisadoras analisaram documentos governamentais relacionados ao programa, de 2012 a 2015. Entre 2015 e 2017, também entrevistaram seis pessoas de órgãos governamentais ligados à educação, saúde, desenvolvimento social e mulheres.
Transversalidade e intersetorialidade ganham destaque em políticas de cuidado atuais no Brasil
A pesquisa mostrou que a intersetorialidade esteve presente na formulação do programa, mas não em sua implementação prática. A política articulou diferentes órgãos relacionados à saúde, educação, assistência social e nutrição no desenvolvimento infantil, criando um novo modelo para o financiamento do programa que envolvia três ministérios. Isso resultou na ampliação do acesso à creche, por exemplo. No entanto, a implementação prática do programa – como a formulação, a gestão e as deliberações, por exemplo – ocorreu de forma individualizada para cada setor.
A transversalidade, por sua vez, não foi contemplada na política. Apesar de previsto no desenho do projeto, os órgãos relacionados às mulheres não foram mobilizados na governança e nas negociações relacionadas ao programa. Além disso, em seus objetivos, a iniciativa não considerou ações de cuidado voltadas às mulheres – que são as principais responsáveis pelo cuidado com as crianças.
Segundo o estudo, os órgãos governamentais e as políticas de cuidados atuais já oferecem uma abordagem mais adequada. É o caso da Secretaria Nacional de Políticas de Cuidados e Família (SNCF), criada em 2023 pelo Ministério da Saúde com o objetivo de elaborar uma política nacional de cuidados. Diferente do que foi observado no Brasil Carinhoso, a intersetorialidade e a transversalidade são consideradas centrais na formulação desse projeto. A ideia é adotar estratégias que permitam a participação de múltiplos setores e que abordem diversos tipos de desigualdades.