Alexandre Cracovsky, CFA, é Vice-presidente na ADVISIA Investimentos, onde assessora empresas em transações de M&A – tanto no sell-side quanto no buy-side – acumulando mais de R$ 10 bilhões transacionado. Formação em Engenharia Civil, CFA® Charterholder, Mestre em Administração pela FGV-EAESP e Doutorando em Finanças na FGV-EAESP. É também Professor na Link School of Business colunista e host de um programa de M&A na BM&C News.
A integração da Inteligência Artificial (IA) nos processos de fusões e aquisições (M&A) não é apenas uma tendência tecnológica — é uma transformação estratégica. Diante de um cenário em que até 70% das operações de M&A falham em gerar o valor esperado, conforme estudos recentes da Harvard Business Review, a IA surge como resposta à necessidade de decisões mais rápidas, assertivas e fundamentadas.
Diversos estudos já mapearam os fatores que mais influenciam o sucesso de uma operação de fusão ou aquisição: integração cultural bem conduzida, alinhamento de interesses com acionistas, capacidade de aprendizado organizacional e uma governança estruturada no pós-fusão. Nos últimos anos, essa visão foi ampliada para incluir aspectos como compatibilidade tecnológica entre empresas e velocidade de adaptação organizacional — o chamado “clockspeed corporativo” — além de estratégias para mitigar riscos institucionais que podem comprometer a operação.
Nesse contexto, a Inteligência Artificial (IA) oferece uma alternativa promissora, nas etapas críticas do processo — screening, due diligence, valuation e integração.
- Screening. Algoritmos preditivos aumentam a assertividade ao identificar empresas com sinergia estratégica, reduzindo o tempo de busca.
- Due diligence. A IA automatiza a leitura de contratos, identifica riscos e reduz em até 40% o tempo dessa fase — uma das mais onerosas e sujeitas a erros.
- Valuation. IA permite simulações de cenários com grande volume de dados, ampliando a precisão e a consistência das estimativas. Estudos de consultoria destaca aumento de 23% na precisão da estimativa de valor.
- Integração pós-fusão. Ferramentas inteligentes ajudam a antecipar choques culturais e prever rotatividade, aumentando significativamente a retenção de talentos, sendo observado em outro estudo empírico um aumento de 30% na retenção.
Após análise de diversos autores, a Figura 1 abaixo compila o impacto da IA nas principais etapas de M&A, destacando a redução do tempo e o aumento das taxas de sucesso.
Figura 1- Comparação uso de IA no tempo médio e taxa de sucesso em M&A (consultorias, análise autor)
Esses ganhos, porém, não são automáticos. A IA carrega riscos consideráveis, como vieses embutidos nos dados e decisões de “caixa preta”, que dificultam a explicitação dos critérios de escolha. Além disso, algoritmos eficazes em um contexto podem ser ineficazes — ou até destrutivos — em outro. É por isso que defendo a adoção de uma matriz de decisão baseada em complexidade da transação e disponibilidade de dados (Figura 2). IA estratégica deve ser usada quando há alta complexidade e dados abundantes; IA básica em processos rotineiros com dados bem estruturados. Quando faltam dados ou o processo é crítico, o melhor caminho pode ser um modelo híbrido — onde a IA apoia, mas não substitui, o julgamento humano.
Figura 2- Matriz de decisão: quando aplicar IA em M&A, autor
O desafio real está no equilíbrio entre velocidade e responsabilidade. A pressão por decisões rápidas pode empurrar empresas para uma “automação apressada”, abrindo espaço para erros de grande impacto. Por isso, é fundamental que o uso de IA em M&A esteja atrelado a práticas de governança algorítmica e validação cruzada de modelos.
As evidências demonstram ganhos consistentes em velocidade, precisão e criação de valor. O debate, portanto, não é se devemos usar IA em M&A — isso já está em curso — mas como usá-la de forma crítica, transparente e contextualizada. Empresas que conseguirem implementar IA com responsabilidade terão vantagem competitiva; aquelas que ignorarem os riscos éticos e estratégicos correm o risco de ampliar as estatísticas de fracasso.
Recomendo que executivos de M&A adotem três práticas imediatas:
- Implementar comitês de validação algorítmica, com representantes técnicos e de negócios.
- Estabelecer critérios de auditabilidade para os modelos usados na due diligencee valuation.
- Testar a IA em simulações de integração organizacional, aplicar IA em testes piloto com áreas específicas, simulando a integração real com menor risco e colhendo aprendizados para ajustes em escala maior.
A IA tem o potencial de revolucionar as fusões e aquisições. Mas, essa revolução precisa vir acompanhada de um olhar crítico, humano e responsável. Somente assim ela deixará de ser uma promessa para se tornar um diferencial concreto.