Rafael Tamanini, Aluno do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP, CEO da Volix.
Em 1811, grupos de artesãos ingleses incendiaram máquinas têxteis industriais em protesto contra o que, para eles, representava a perda de valor e espaço no mundo do trabalho. A relação entre tecnologia e trabalhadores raramente é harmoniosa nos momentos iniciais de grandes transformações e a história está repleta de exemplos disso. Hoje, diante de um avanço tão disruptivo quanto a Inteligência Artificial, é natural que a tensão retorne. Mas, desta vez, o alcance da mudança parece ser ainda maior e seus impactos, mais profundos e difíceis de prever.
Se, no passado, a ameaça era visível, como uma máquina que tomava o lugar das mãos humanas, agora ela é invisível, algorítmica e silenciosa. A IA não apenas executa tarefas. Ela recomenda, julga, avalia, orienta, seleciona. E isso muda radicalmente a experiência do trabalhador, especialmente quando decisões antes tomadas por pessoas passam a ser delegadas a sistemas automatizados.
O mundo acadêmico começa a se debruçar sobre essa questão, e os estudos que investigam o impacto da IA na vida dos empregados se multiplicam. E já trazem achados relevantes. Uma linha de pesquisa destaca os efeitos positivos dessa tecnologia, tanto nos processos de automação, em que tarefas repetitivas e operacionais são delegadas às máquinas, quanto na chamada augmentation, quando a tecnologia atua como parceira e amplia a capacidade de análise, decisão e criatividade do funcionário. Treinamentos personalizados com base no desempenho individual, simulações realistas de situações complexas e feedbacks em tempo real são alguns exemplos de como a IA pode ser uma aliada no desenvolvimento profissional.
Por outro lado, cresce a preocupação com os efeitos colaterais dessa transformação. A chamada vigilância conectada tem ampliado, muitas vezes de forma desproporcional, a coleta de dados sobre os funcionários, invadindo a privacidade, monitorando comportamentos físicos e abrindo espaço para práticas sutis, mas concretas, de manipulação e coerção. Nesse cenário, a IA também pode reforçar uma cultura de microgestão, em que tudo é medido, ranqueado e julgado automaticamente, gerando um ambiente de insegurança e pressão constante.
Fato é que a IA chegou para ficar. Assim como em 1811, as novas máquinas não vieram para ser passageiras. Elas vieram para redefinir o trabalho. A grande questão agora não é mais se a IA impactará a vida dos empregados, mas como ela será implementada. O desafio está em garantir que essa transformação seja feita de forma ética, equilibrada e centrada nas pessoas. E essa responsabilidade, mais uma vez, recai sobre os líderes.
O líder pode usar a IA para qualificar a experiência do atendimento ao cliente, liberando os profissionais das tarefas mais mecânicas e repetitivas e permitindo que se concentrem nas interações humanas, onde empatia e escuta fazem diferença. No entanto, também pode seguir por um caminho equivocado, ao substituir completamente esse contato por assistentes artificiais que enfraquecem o vínculo interpessoal e transformam as relações em trocas frias e puramente transacionais.
Sim, cabe a liderança conhecer o potencial da IA, romper as barreiras culturais que ainda travam sua adoção e, acima de tudo, garantir que essa tecnologia seja usada para ampliar, e não sufocar, o protagonismo humano. Ignorar esse papel é abrir espaço para ambientes frios, desumanizados e operados por algoritmos sem discernimento ético. É uma tarefa fácil? Não é. Mas ao assumir essa responsabilidade, os líderes podem, por meio da IA, não apenas impulsionar a produtividade das empresas, como também tornar as relações de trabalho mais humanas, empáticas e significativas.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão













