José Alexandre Machado Costa, Aluno do Doutorado em Administração, linha de finanças, da FGV EAESP, Executivo Sênior de Finanças, Tesouraria e Controladoria
Denys Pacheco Roman, Aluno do Doutorado em Administração, linha de finanças, da FGV EAESP, Consultor Sênior de Sustentabilidade, Governança Corporativa e Relações com Investidores
O Brasil foi pioneiro na adoção das normas IFRS S1 e S2, promulgadas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB). No Brasil, essas normas são denominadas CBPS 01 e 02, sendo a Resolução CVM nº 193/2023 responsável por tornar obrigatório o reporte para todas as companhias abertas, mesmo que suas ações não estejam listadas em bolsa de valores, a partir do exercício social de 2026, mas com divulgação em 2027.
Uma das exigências dessa resolução é a asseguração razoável, conduzida por auditoria independente com registro na autarquia, e que seguirá os critérios da nova norma ISSA 5000. Esta exigência representa um avanço muito significativo frente às práticas atuais no mercado brasileiro, demandando melhorias importantes nos controles internos das empresas e gestão de riscos, dentre outros pontos.
Adicionalmente, a Resolução nº 5.185/2024 do Conselho Monetário Nacional ampliou essas exigências para mais de 1.300 instituições financeiras reguladas pelo Banco Central, com reporte obrigatório a partir dos exercícios sociais de 2026 e 2028, a depender do porte das instituições, ampliando ainda mais o impacto sobre a economia brasileira.
O Brasil figura entre mais de 35 países que ou adotaram, ou estão em fase de implementação dessas normas. Algumas jurisdições, como a Austrália, já anteciparam o reporte obrigatório para o exercício social de 2025 ainda que gradualmente. Este contexto coloca o Brasil na vanguarda regulatória global, mas traz o desafio de transformar efetivamente a análise financeira por meio da integração dos fatores ESG à gestão e estratégia empresarial.
O núcleo das normas é a materialidade financeira, determinando que qualquer informação que possa influenciar decisões dos investidores deve ser reportada. Assim, empresas devem identificar riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade que possam afetar seus fluxos de caixa, valor de mercado ou custo de capital. Este enfoque dialoga diretamente com o dever fiduciário de gestores e investidores.
Embora a proposta seja elegante e ambiciosa, ela enfrenta desafios consideráveis no Brasil. Pesquisa recente realizada pela Deloitte, “Future of Controls”, revela que 61% e 60% dos respondentes classificam como não “avançados” ou não “maduros”, respectivamente, a gestão de riscos e controles internos no Brasil. Tais percepções podem se intensificar diante das novas exigências. A aplicação simultânea e uniforme das normas para empresas com diferentes portes e níveis de maturidade pode resultar em uma implementação superficial e formalista, com informações de baixa qualidade.
Esse risco não é exclusivo do Brasil. O ISSB reconhece essa complexidade na adoção global e anunciou para 2025 diretrizes específicas sobre proporcionalidade, voltadas para empresas menores ou menos preparadas. Paralelamente, o mesmo órgão internacional está atualizando os padrões setoriais SASB, que definem métricas exigidas pelas normas, ajustando-os às realidades das cadeias de valor em países emergentes.
Além disso, diante das condições desfavoráveis no mercado de capitais e visando reduzir custos regulatórios, diversas empresas têm optado pela deslistagem e cancelamento do registro como companhia aberta. Nesse cenário, torna-se fundamental investir em planos de transição, suporte técnico-institucional e diferenciação regulatória por porte, minimizando custos de observância e evitando relatórios aparentemente transparentes, mas distantes da prática empresarial real. Uma iniciativa relevante nessa direção é o recente convênio entre a IFRS Foundation e o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, busca viabilizar ações concretas nesse sentido.
A análise de sustentabilidade demanda uma compreensão estratégica de longo prazo, conectada diretamente à gestão de riscos, captura de oportunidades e criação de valor por meio das decisões ESG.
O Brasil tem a oportunidade de protagonizar uma agenda global significativa. Contudo, é essencial equilibrar ambição e realismo, reconhecendo que a implementação eficaz exige suporte técnico, capacitação e flexibilidade proporcional. O caminho está delineado. A decisão agora é seguir com profundidade estratégica ou se limitar a relatórios impecáveis, porém vazios. Sustentabilidade real é construída com decisões consistentes, integradas à governança e voltadas ao futuro da organização.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão