Eliza Albuquerque,aluna do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP e Executiva de Recursos Humanos.
Quiet quitting, grande renúncia, gig economy, resenteísmo, quiet cracking.
Nos últimos anos, esses termos emergiram com força no vocabulário corporativo. Apesar das diferenças entre os fenômenos que buscam descrever, todos apontam para uma mesma questão: uma insatisfação latente com o modelo tradicional de trabalho e uma busca por novos sentidos e formas de se relacionar com as organizações. É como se estivéssemos, aos poucos, despertando para algo maior.
Estaríamos, finalmente, tentando sair da caverna de Platão?
A metáfora da caverna, clássica na filosofia, foi reinterpretada por Gareth Morgan em Imagens da Organização. Ele fala sobre “prisões psíquicas”, padrões mentais que nos aprisionam e limitam nossa visão do mundo organizacional. Como os prisioneiros de Platão, muitas vezes confundimos sombras com realidade. No contexto do trabalho, isso significa naturalizar modelos que já não respondem mais às complexidades do nosso tempo.
Mas, há sinais de que esse conformismo começa a ser questionado. Novos movimentos, novos discursos e novas demandas sugerem um impulso coletivo por mudança. Contudo, à medida que olhamos para o futuro do trabalho, uma armadilha se delineia com clareza: a indefinição sobre o papel que o ser humano terá em meio a tantas transformações.
Dados do Fórum Econômico Mundial ilustram o cenário: até 2030, se imaginarmos uma força de trabalho composta por 100 pessoas, 41 não precisarão de requalificação, 29 serão requalificadas no cargo atual, 19 mudarão de função após requalificação e 11 ficarão de fora, sem a requalificação necessária.
Onze em cada cem. Quem será responsável por essas pessoas? O governo? As empresas? A sociedade como um todo?
Recorrer à renda básica universal pode soar tentador e, em certa medida, necessário. Mas essa resposta, isoladamente, ignora uma dimensão fundamental do trabalho: seu papel simbólico. O trabalho não é apenas fonte de renda. É também estrutura de identidade, pertencimento, propósito. Basta observar como, mesmo após aposentadorias financeiramente tranquilas, muitos vivenciam momentos de crise emocional por não saberem mais onde se encaixam na sociedade.
Portanto, a discussão não é sobre interromper o progresso tecnológico. A questão central é: como conduzimos essa transformação de forma lúcida, ética e consciente?
O debate sobre IA costuma girar em torno de dois eixos: automation – a máquina substituindo o humano e augmentation – a máquina ampliando as capacidades humanas. Mas, existe uma terceira via, ainda pouco explorada, mas promissora: a da inteligência híbrida.
Essa abordagem não parte da lógica de substituição ou dominação, mas da reinvenção. Trata-se de reconstruir os princípios que orientam nossas relações, estruturas e modelos organizacionais. É preciso repensar, desde a base, o que significa trabalhar, liderar, colaborar e pertencer.
Esse processo exige abandonar a visão binária que ainda rege muitos debates contemporâneos. Vivemos tempos em que expressar uma opinião é frequentemente interpretado como assumir um lado contra outro. Mas o futuro do trabalho e da sociedade pede ambivalência, nuance, diálogo. E, principalmente, responsabilidade compartilhada.
Repensar as relações de trabalho não é apenas uma demanda estratégica para empresas que desejam se manter competitivas. É uma urgência ética e social. Afinal, o que está em jogo é o modelo de sociedade que estamos construindo ou permitindo que se construa.
Talvez, o futuro do trabalho não esteja na substituição do humano pela máquina, nem na idealização de um controle absoluto sobre a tecnologia. Talvez ele resida justamente na nossa capacidade de criar algo novo, que ainda não tem nome, mas já pulsa como possibilidade.
E, para isso, será preciso coragem. A mesma coragem que exige sair da caverna, encarar a luz direta nos olhos e começar a imaginar o mundo e o trabalho por novas lentes.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão













