O empreendedorismo costuma ser entendido apenas como um caminho para abrir negócios e gerar renda. No entanto, uma pesquisa publicada na revista Entrepreneurship & Regional Development demonstra que, nas periferias de São Paulo, ele vai muito além disso. Nesse cenário, o empreendedorismo como resistência aparece como uma forma de transformar a vida cultural, social e política das comunidades.
O estudo foi conduzido por Pablo Muñoz, José Ferraz de Campos, Edgard Barki (FGV EAESP) e Jonathan Kimmitt. Ao longo de quatro anos (2019 a 2023), os pesquisadores realizaram entrevistas, rodas de conversa, observações e workshops em diferentes distritos da capital. Além disso, um dos autores atuava há mais de uma década nesses territórios, o que garantiu proximidade com a realidade local. Com esse conjunto de dados, eles reconstruíram 40 anos de história da vida periférica.
Para organizar a análise, os pesquisadores dividiram o período em três fases. A primeira, chamada “Sobrevivendo no Inferno”, abrangeu os anos 1980 e retratou a dureza das condições de vida. A segunda, entre 2000 e 2015, é a “Primavera Periférica”, momento em que a arte e a cultura ganharam força e deram voz às comunidades. Já a terceira, a partir de 2015, os autores nomearam “Empreendedorismo Periférico” e marcou a ascensão do empreendedorismo como símbolo de resistência e afirmação identitária.
Empreendedorismo na periferia: como resistência cultural transforma comunidades em São Paulo
Os resultados revelam que, ao lado da música, da religião e das artes, o empreendedorismo passou a redefinir o que significa “ser periferia”. Em vez de se limitar ao aspecto econômico, ele se transformou em ferramenta de luta contra racismo, LGBTfobia, exclusão social e estigmas históricos. Assim, empreender não se restringe a abrir empresas, mas sim a construir novos símbolos e fortalecer o orgulho de pertencer ao território.
Outro ponto central do estudo envolve a visão decolonial. Em vez de considerar o empreendedorismo apenas como mecanismo econômico, os autores argumentam que ele deve ser também prática cultural e política. Desse modo, empreendedores periféricos usam negócios e iniciativas coletivas para reimaginar futuros possíveis. Eles criam contra-imaginários, desafiando narrativas coloniais e neoliberais que tratam a periferia apenas como espaço de carência.
Na prática, esse olhar traz implicações importantes para políticas públicas e organizações de apoio. Em vez de concentrar esforços somente em recursos financeiros, os autores defendem que é necessário valorizar os saberes locais, as narrativas próprias e os símbolos que dão sentido ao empreendedorismo comunitário. Com isso, torna-se possível reforçar os chamados “imaginários sociais”, ou seja, as formas coletivas de enxergar e estruturar a vida.
Portanto, o empreendedorismo nas periferias de São Paulo precisa ser entendido como parte de uma jornada de resistência. Ele não apenas gera renda, mas também conecta cultura, economia e política, criando novas formas de viver e pertencer. Em outras palavras, não se trata apenas de sobrevivência, mas sim de emancipação cultural e social. Essa reinvenção do “ser periferia” mostra que as comunidades não são lugares de falta, mas sim de potência, significado e transformação.
Leia o artigo na integra.
Nota: alguns artigos podem apresentar restrições de acesso.
Nota 2: Foto gerada por Inteligência Artificial.