A inclusão financeira visa conceder acesso a serviços financeiros formais a indivíduos empobrecidos e marginalizados, acreditando-se que isso os capacite a melhorar sua condição econômica. No entanto, há controvérsias sobre se essa inclusão realmente melhora a qualidade de vida desses grupos.
As fintechs (empresas de tecnologia financeira) surgiram como importantes atores nesse cenário, oferecendo soluções tecnológicas para ampliar o acesso a serviços financeiros a custos reduzidos. Apesar disso, debates críticos destacam que as fintechs podem ter efeitos adversos, como aumentar o endividamento entre grupos já marginalizados, ampliando as desigualdades.
As pesquisadoras da FGV EAESP, Erica Siqueira e Isleide Fontenelle, publicaram um artigo na revista Environment and Planning A: Economy and Space explorando o microcrédito cedido por fintechs para trabalhadores informais e precários na “periferia da periferia”, termo cunhado para se referir a espaços mais marginalizados dentro de países já posicionados na periferia do capitalismo central. A pesquisa foi conduzida em duas etapas, analisando as operações de uma empresa fintech na periferia brasileira e investigando dinâmicas de adesão e resistência dos trabalhadores. A primeira etapa incluiu entrevistas e estudo de caso da Plataforma de Microcrédito Fintech (MFP). Na segunda etapa, uma das autoras esteve durante 4 meses no segundo maior complexo de moda e vestuário do Brasil, a Sulanca, na região do Agreste de Pernambuco. Lá, ela realizou observação participante, entrevistas e coletou questionários na feira de Caruaru.
Invisibilidade financeira: como trabalhadores informais escapam do endividamento nas periferias
Os resultados mostram que trabalhadores informais, carentes de contratos formais e proteção estatal, se adaptaram a uma forma de trabalho chamada de “vida-trabalho”, que, apesar de precária, lhes proporciona uma sensação de liberdade. Operando principalmente em unidades de produção domiciliar, esses trabalhadores valorizam a autonomia que vem com o próprio negócio, apesar das condições desafiadoras.
Por dependerem fortemente de micro e pequenos negócios informais, a pesquisa revelou que esses trabalhadores têm um engajamento limitado com serviços financeiros formais. A maioria prefere transações em dinheiro e evita terminais de pagamento, refletindo um medo da dívida e uma necessidade de invisibilidade financeira para manter a flexibilidade e adaptabilidade. Enquanto as fintechs tentam se apresentar como promotoras da inclusão financeira, ainda dependem de táticas de microfinanças adaptadas à realidade dos trabalhadores informais, perpetuando assim a capitalização dessas populações pelas instituições de microfinanças orientadas para negócios.
O estudo revelou como as condições precárias dos trabalhadores podem ser fatores relevantes para expansão desse tipo de plataforma, evidenciando a periferia da periferia como uma arena ideal para o microcrédito e acumulação capitalista. Essa interseção entre plataformas financeiras e trabalho precário confirma que as novas formas de acumulação perpetuam as antigas na periferia do capital. Além disso, a pesquisa destaca as características distintas da periferia da periferia, reveladas pela resistência dos trabalhadores informais ao microcrédito através de práticas de invisibilidade, mostrando como essas condições precárias historicamente perpetuaram o ciclo de pobreza.
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