A presença de mulheres em cargos de liderança tem o potencial de transformar não apenas as políticas públicas, mas também a percepção que outras mulheres têm de si mesmas e de suas possibilidades. Esse efeito vai além do simbolismo: ele pode refletir diretamente na saúde e no bem-estar feminino.
Em sociedades marcadas por normas sociais rígidas e fortes pressões familiares — especialmente no caso de mulheres casadas — o risco de sofrimento emocional severo tende a aumentar. O suicídio, ainda que seja um fenômeno complexo e delicado, é influenciado por fatores sociais e culturais — e, como revela este estudo, também pode ser afetado pela liderança política.
A pesquisa mostra que a eleição de prefeitas está associada a uma redução significativa nas taxas de suicídio entre mulheres casadas: 1,33 mortes a menos por 100 mil habitantes, em uma população cuja média é de cerca de 5 por 100 mil. Embora esse número pareça modesto, representa um impacto relevante em termos de saúde pública. Notavelmente, o efeito foi observado exclusivamente entre mulheres casadas — não se repetindo entre solteiras, viúvas ou outros grupos por faixa etária e classe social.
Segundo os autores, esse resultado pode ser explicado pela ideia de “modelos inspiradores”. Quando uma mulher assume um cargo de liderança política — historicamente dominado por homens — ela se torna uma referência concreta de superação e transformação. Isso pode levar outras mulheres a reavaliar seus próprios papéis, fortalecer sua autoestima, buscar maior autonomia e, assim, enfrentar melhor contextos adversos.
O estudo foi conduzido por Gabriela Gerote Arvate, Paulo Arvate e Adriano Massuda (FGV EAESP), Raffael Massuda e Rifat Atun, e publicado na revista Frontiers in Public Health. Com base em dados das eleições municipais brasileiras entre 2004 e 2012, os pesquisadores utilizaram a metodologia de regressão descontínua, uma técnica quase-experimental que permite estimar efeitos causais. Foram comparados municípios em que mulheres e homens venceram eleições por margens muito apertadas, o que possibilitou isolar o impacto da eleição de uma prefeita, eliminando a influência de outras variáveis como perfil dos candidatos ou características locais. As informações sobre suicídios foram cruzadas com dados do Ministério da Saúde para o mesmo período.
Implicações sociais e para políticas públicas
As conclusões da pesquisa são poderosas: o empoderamento feminino em espaços tradicionalmente masculinos pode salvar vidas. Em muitos contextos — inclusive em regiões do Brasil — mulheres casadas ainda vivem sob fortes restrições sociais, o que contribui para vulnerabilidades emocionais e psicológicas. Nesse cenário, a figura de uma prefeita pode representar a possibilidade concreta de mudança, mesmo dentro de estruturas opressoras.
Além disso, os resultados reforçam um corpo crescente de evidências que demonstram o impacto positivo da representatividade feminina sobre indicadores de saúde. Trata-se de um chamado claro para que governos e instituições invistam em políticas de inclusão e promoção da liderança feminina — não apenas por questões de equidade, mas também como uma estratégia eficaz de saúde pública.
A presença de mulheres na política fortalece a democracia, amplia a representatividade e produz efeitos mensuráveis na vida de outras mulheres. Ao ocuparem posições de poder, prefeitas tornam-se símbolos de que é possível romper barreiras e trilhar caminhos de superação.
Por fim, a pesquisa evidencia que promover o empoderamento feminino não é apenas uma pauta de justiça social — é uma política de saúde pública e um caminho para o desenvolvimento sustentável.
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