A pandemia de covid-19 intensificou a tendência de queda de procedimentos realizados na atenção primária à saúde no Brasil, com redução de 42,5% de rastreios, 28,9% de diagnósticos e 41,2% de consultas médicas entre 2019 e 2022. O alerta está em artigo de pesquisadores do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão da Saúde (FGV-Saúde) da FGV EAESP publicado na revista “GV Executivo” em junho de 2022.
Para recuperar a resiliência do Sistema Único de Saúde (SUS), segundo os autores, é preciso tornar os serviços de atenção primária à saúde mais acessíveis à população. Alguns caminhos apontados pelo estudo são aumentar o financiamento federal e a participação dos governos estaduais na distribuição de recursos. O artigo também aponta como necessária uma estratégia de valorização dos recursos humanos, com remuneração e condições de trabalho atrativas, e que as equipes disponham de infraestrutura e tecnologia adequadas aos exames diagnósticos e procedimentos realizados na atenção primária à saúde.
No Brasil, a atenção primária à saúde se constitui no pilar de sustentação do SUS. Baseia-se em equipes multiprofissionais de Estratégia de Saúde da Família, que atuam em âmbito local, com políticas específicas para grupos populacionais mais vulneráveis, como indígenas, ribeirinhos e pessoas em situação de rua. Estudos anteriores mencionados pelos autores mostram efeitos positivos dessa atuação na redução de desigualdades em mortalidade entre grupos raciais, por exemplo.
Por outro lado, aponta o artigo, políticas de redução das equipes e de transferência de recursos se acentuaram com o congelamento do teto de gastos federais por 20 anos, aprovado pelo Congresso em 2016. Com a falta de coordenação federal na resposta à covid-19, as gestões municipais assumiram as despesas para manter os serviços ativos, o que acentuou desigualdades regionais, já que as prefeituras apelam às próprias fontes de financiamento.
“No combate à covid-19, o governo federal relegou o papel da atenção primária à saúde ao segundo plano, embora as equipes de Estratégia de Saúde da Família tenham tido historicamente papel importante no controle de doenças transmissíveis. O rastreamento e o tratamento de contatos são atividades de rotina dessas equipes ao lidar com casos de tuberculose e meningite, por exemplo. A combinação de análise epidemiológica e contato direto com a população conferiu maior resiliência ao sistema de saúde brasileiro ao lidar com epidemias como da H1N1, da dengue e do zika vírus”, frisam os autores.