Com mestrado e doutorado em duas universidades britânicas (respectivamente, pela SOAS Univesity of London e pela London School of Economics), a pesquisadora Helena de Moraes Achcar se envolveu com ONGs como a ActionAid e estudou programas como o ProSavana, de cooperação sul-sul. O programa de cooperação e negociações entre Moçambique, Brasil e Japão durou cerca de uma década, com fim anunciado em 2020, e procurou desenvolver a agricultura no norte de Moçambique, uma região de clima semiárido, cheia de desafios políticos e econômicos.
Durante o doutorado, a pesquisadora analisou a dinâmica política em torno das negociações do ProSavana na agricultura e também de acordos na área da saúde, acompanhando as duas frentes com estudos de campo, tanto em Moçambique quanto no Brasil. Na frente da saúde, o foco foi na transferência de tecnologia para o desenvolvimento de uma fábrica de anti-retrovirais, em uma pequena cidade perto de Maputo, baseada na produção de sucesso brasileira
A experiência motivou a pesquisadora a continuar investigando o que gira ao redor das grandes negociações entre empresas farmacêuticas e agentes do governo. Para isso, Achcar se juntou ao projeto na FGV sobre a resposta do país à Hepatite C, coordenado pela pesquisadora Elize Massard da Fonseca, com olhar especial para a iniciativa das chamadas “PDPs” .
1. O que são as PDPs e qual a importância delas na área da saúde no Brasil ?
PDP significa “parceria para o desenvolvimento produtivo”. Essas parcerias são estabelecidas entre instituições públicas e empresas privadas, em geral. O objetivo de uma PDP é fazer com que instituições públicas, como Farmanguinhos, Bahiafarma, Lafepe, entre outros, se tornem capacitadas a produzir medicamentos e outros produtos farmacêuticos por conta própria, através da transferência de tecnologia de uma empresa privada. “Transferir tecnologia” inclui uma grande variedade de aspectos e etapas de produção (não seria apenas “ensinar uma receita para o medicamento”). Além disso, pode fomentar o desenvolvimento tecnológico e o intercâmbio de conhecimentos. O objetivo final das PDPs é desenvolver o complexo industrial do país e aumentar o acesso da população a produtos considerados estratégicos pelo SUS. Há iniciativas e políticas semelhantes em outros países. Atualmente, no contexto da pandemia de Covid-19, este debate e o debate da propriedade intelectual se mostram essenciais, pois a vulnerabilidade e dependência de países menos desenvolvidos, ou em desenvolvimento, com relação à vacinação se tornou evidente.
2. Como são seus métodos de pesquisa neste projeto ?
Estou fazendo coleta e leitura de documentos oficiais, como protocolos e relatórios, de artigos de jornais e revistas e entrevistas semi-estruturadas com policy-makers e pessoas que estiveram envolvidas de alguma forma em tomadas de decisão, geralmente em instituições que fizeram parte das PDPs que estou analisando, ou seja, a PDPs para a produção do sofosbuvir e daclatasvir. Estes são os antivirais de ação direta usados para o tratamento da hepatite C. Havia também o simeprevir, mas ele foi excluído do protocolo.
O que mais tem chamado a minha atenção sobre o que coletei até agora é a complexidade da política no que se refere à sua coordenação. Ou a falta de coordenação, para ser mais precisa. Há uma série de atores que têm que estar alinhados para que uma política de transferência de tecnologia, que supostamente torne o SUS auto-suficiente, funcione de forma prática. Além de interesses distintos, há todo um histórico e burocracia já sedimentados no Brasil que tornam a execução de uma política como essa mais complicada.
Por exemplo, o Ministério da Saúde muitas vezes se guia pelo preço mais baixo para a aquisição de medicamentos. Mas as PDPs devem incluir, no seu preço, o custo da transferência de tecnologia, pois os laboratórios públicos e privados gastam recursos até que a tecnologia para a produção de medicamentos seja absorvida. Ou seja, o preço do medicamento deve incluir aí um custo que seria justo e necessário. E nem sempre tomadores de decisão do Ministério optam ou podem optar pelo medicamento produzido pelo laboratório nacional , público ou privado.
As PDPs devem trazer segurança jurídica para os envolvidos, então, quando elas são aprovadas, o Ministério se compromete a fazer as compras deste produto ou medicamento. Mas nem sempre esse compromisso se desenrola como imaginado.
3. Como sua pesquisa atual se relaciona com o que observou durante o estudo do doutorado em Moçambique ?
Eu sempre tenho a tendência a pensar como os diversos discursos impactam as políticas públicas, pois adotei uma metodologia discursiva na minha tese de doutorado na qual contrastei discursos já estabelecidos em Moçambique com os discursos brasileiros sobre cooperação. Comparei como entendimentos distintos por parte do Brasil e de Moçambique sobre o funcionamento da fábrica entraram em conflito e depois foram negociados. Na pesquisa atual, também há conflitos entre discursos, que acabam influenciando a política de PDP. Além disso, a área que estou pesquisando é a de transferência de tecnologia em saúde e a pesquisa de doutorado incluiu investigar as negociações políticas entre diversos atores da transferência de tecnologia na produção de genéricos.
Confira a pesquisa neste link.
“Três Perguntas” é uma seção do Blog Impacto que convida pesquisadores e professores da FGV/EAESP a responderem três perguntas sobre suas áreas de pesquisa. Confira toda a série.