Rodrigo Rocha Gimenez, aluno do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP, Executivo de Estratégia e Transformação.
Durante muito tempo, manter os planos em segredo foi considerado sinônimo de inteligência estratégica. A lógica era simples e sedutora: proteger suas intenções, conhecer o inimigo, agir com discrição. Esse modelo influenciou não apenas batalhas militares ao longo da história, mas também a forma como líderes empresariais passaram a pensar sobre vantagem competitiva.
Executivos e gestores foram treinados para evitar exposição. Estratégias guardadas a sete chaves. Planos envoltos em confidencialidade. Informações sobre o futuro da empresa restritas a um círculo mínimo de confiança. Esse comportamento ainda é dominante — e compreensível. Num ambiente volátil e competitivo, abrir as cartas pode parecer um risco desnecessário.
Mas e se essa lógica estiver equivocada?
A complexidade dos desafios atuais exige outro tipo de abordagem. Em vez de operar no escuro, muitas empresas começam a perceber os benefícios de compartilhar, escutar, cocriar. A estratégia, tradicionalmente concebida como um ato isolado da liderança, está se tornando mais aberta, participativa e iterativa.
Esse movimento não significa fragilidade — significa adaptação.
A inovação aberta é um exemplo claro disso. Grandes empresas passaram a interagir com startups, universidades e comunidades para encontrar soluções fora dos seus muros. Hackathons, plataformas colaborativas e desafios estratégicos convidam mentes externas a contribuírem com ideias e perspectivas que dificilmente surgiriam internamente. E, muitas vezes, a mágica acontece justamente quando há transparência sobre os desafios enfrentados.
Compartilhar a estratégia, ou pelo menos parte dela, pode gerar alinhamento e engajamento. Quando colaboradores, parceiros e até clientes entendem para onde a empresa está indo, podem contribuir de forma mais ativa com o processo. A visão deixa de ser um manifesto corporativo genérico e se torna uma direção construída a várias mãos.
Claro, abrir-se demais ou de forma ingênua pode gerar efeitos colaterais: vazamentos, distorções, expectativas irreais. Mas, o risco de isolamento estratégico — de tomar decisões cruciais com base em um grupo pequeno e homogêneo — talvez seja ainda maior. Estratégias formuladas em salas fechadas tendem a ignorar nuances do mercado, sinais emergentes e resistências internas que poderiam ser percebidas com maior abertura.
Existe também um fator geracional. As novas lideranças valorizam transparência, colaboração e propósito. Organizações que continuam operando sob a lógica do “segredo absoluto” correm o risco de parecerem ultrapassadas e pouco convidativas para os talentos mais inquietos e criativos.
Contudo, transparência não é sinônimo de fragilidade — é sinal de segurança. Requer clareza sobre o que pode ser compartilhado, com quem e em que momento. Requer também maturidade para escutar e incorporar visões divergentes. O verdadeiro desafio não está apenas em “contar os planos”, mas em construir um ambiente onde o diálogo estratégico seja possível e produtivo.
Há casos emblemáticos de empresas que conseguiram transformar sua lógica de planejamento por meio da abertura. Compartilhar objetivos estratégicos com toda a organização, escutar as áreas operacionais, envolver clientes na priorização de inovações — tudo isso tem contribuído para planos mais realistas, times mais engajados e maior capacidade de adaptação.
Esse movimento representa uma virada de mentalidade: deixar de ver a estratégia como uma receita pronta e passar a enxergá-la como um processo vivo. Um processo que se nutre de dados, mas também de vozes. Que depende de direção, mas também de escuta. Que exige liderança, mas não prescinde da inteligência coletiva.
A pergunta que se impõe para executivos e conselheiros não é mais se vale a pena abrir ou esconder a estratégia. A pergunta é: o quanto estamos dispostos a aprender com os outros antes de tomar decisões críticas? O quanto confiamos em nossos times, clientes e parceiros para envolvê-los nos dilemas do futuro?
O mundo atual exige menos oráculos e mais antenas. Menos discursos prontos e mais capacidade de adaptação. As empresas que souberem equilibrar direção estratégica com abertura de pensamento terão maior chance de sobreviver — e prosperar — em tempos de disrupção.
No fim das contas, esconder pode proteger. Mas, ouvir pode transformar.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão