Roberto Rego Vieira da Rocha, Aluno do Doutorado Professional em Administração da FGV EAESP e executive C-Level no segmento da saúde
Nos últimos anos, a geopolítica deixou de ser uma variável periférica no radar corporativo para se tornar um dos principais vetores de decisão estratégica. Conflitos armados, sanções econômicas, tensões comerciais e disputas entre potências globais passaram a influenciar diretamente cadeias de suprimento, acesso a mercados, estruturas de capitais corporativas e decisões financeiras. Esse novo cenário impõe uma competência emergente aos líderes empresariais: interpretar os riscos globais e transformá-los em respostas estratégicas consistentes.
Se anteriormente fatores geopolíticos eram tratados como riscos externos e esporádicos, hoje ocupam posição central nas análises de risco e planejamento estratégico corporativo. Em particular, empresas que atuam em economias emergentes, como o Brasil, se veem mais vulneráveis aos efeitos dessas transformações. Para os executivos C-Level esse ambiente complexo exige mais do que uma visão operacional baseada em experiências anteriores; exige leitura sistêmica e global da nova realidade. Esses líderes devem agir como intérpretes dos sinais deste ambiente externo, conectando acontecimentos internacionais às estratégias de médio e longo prazo de suas organizações.
Eventos geopolíticos disruptivos como o Brexit ilustram o impacto direto sobre cadeias de suprimento, forçando empresas a reconfigurar suas redes de fornecimento e operações. Quando fornecedores e clientes estão sujeitos a fronteiras políticas incertas, o risco operacional cresce, e as organizações precisam desenvolver estruturas de resposta ágeis e multissetoriais. A dependência de cadeias globais, que já foi símbolo de eficiência, torna-se uma vulnerabilidade estratégica.
Neste cenário, cresce a importância de ferramentas capazes de medir e monitorar os riscos geopolíticos. Modelos como o Geopolitical Risk Index (GPR), que se baseia na frequência de menções a eventos geopolíticos em jornais internacionais, permitem uma leitura contínua das tensões globais. Abordagens mais avançadas, como as utilizadas pela BlackRock e pelo Eurasia Group, aliam machine learning e inteligência de dados para gerar relatórios de risco customizados. Já empresas como a EY vêm oferecendo painéis de monitoramento político que integram variáveis de risco à estratégia corporativa.
Fica evidente, porém, que métricas por si só não são suficientes para estas decisões estratégicas. A efetividade da resposta empresarial depende da qualidade da liderança. Perfis de executivos com experiência internacional tendem a apresentar maior agilidade cognitiva e capacidade de adaptação frente a contextos mutáveis. A vivência em diferentes sistemas institucionais amplia a sensibilidade estratégica e fortalece a criatividade na resolução de problemas.
Outro fator relevante é a diversidade de gênero nas lideranças. Pesquisas recentes demonstram que empresas com CEOs mulheres registram desempenho superior quando diante de riscos geopolíticos elevados, especialmente em países desenvolvidos. CEOs do sexo feminino, por sua vez, tendem a adotar estratégias financeiras mais prudentes, evidenciando uma abordagem mais equilibrada à gestão de risco. Isso aponta para a importância de uma liderança plural e sensível, capaz de reagir com lucidez e assertividade a variáveis externas voláteis.
Há ainda a dimensão política do comportamento corporativo. Em momentos de alta tensão, empresas podem reagir de forma oposta: enquanto algumas reduzem os gastos com lobby, outras, lideradas por executivos mais influentes, intensificam sua atuação institucional como forma de proteção. Essas decisões, longe de serem apenas táticas, revelam a forma como o poder é exercido e percebido nas estruturas empresariais.
Em síntese, a geopolítica deixou de ser um pano de fundo e se transformou em um imperativo estratégico para as organizações. Este impacto se manifesta em todas as frentes: da inovação à estratégia ESG, da alocação de capital à definição de mercados prioritários. Ignorá-la significa correr riscos mal calculados; enfrentá-la exige capacidade analítica, resiliência organizacional e, sobretudo, liderança preparada.
Como agenda futura, é fundamental fomentar pesquisas qualitativas que revelem como os líderes empresariais internalizam e operacionalizam os riscos geopolíticos. Estudos mais aprofundados por setor e por região poderão oferecer insights valiosos sobre modelos de adaptação e estratégias de mitigação. Em um mundo onde a instabilidade se tornou regra, a vantagem competitiva será de quem transformar incerteza em estratégia — e isso começa no topo.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão