Apesar da suspensão de atendimentos presenciais, a Defensoria Pública levou mais demandas ao Supremo Tribunal Federal (STF) no primeiro ano da pandemia de covid-19 em relação ao ano anterior. As ocorrências de 19 Defensorias Públicas estaduais tiveram tendência de alta no período, com variação de mais de 50% naquelas com origem nos estados de Rondônia, Goiás, Paraná, Sergipe e Paraíba. As constatações estão em relatório da pesquisadora Luciana Jordão da Motta Armiliato de Carvalho, aluna do Doutorado profissional da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV EAESP), produzido em sua participação na Cátedra de Pesquisa Victor Nunes Leal do STF.
A pesquisa contabiliza decisões judiciais publicadas no Diário da Justiça Eletrônico (DJE) e casos disponíveis no repositório do STF referentes à Defensoria Pública. O estudo compara as ocorrências em dois períodos: o pré-pandemia, entre fevereiro de 2019 e fevereiro de 2020, e o primeiro ano de pandemia, entre março de 2020 e março de 2021. Na base do DJE, foram 7880 ocorrências localizadas durante a pandemia contra 6015 ocorrências no período anterior, o que representa aumento de 23,67%. No repositório do STF, foram 1673 ocorrências identificadas durante a pandemia contra 1454 no pré-pandemia, aumento de 13,10%.
A Defensoria Pública de São Paulo foi a que mais ingressou com pedidos no STF no período de pandemia, de acordo com os dados do repositório da Corte, com 633 ocorrências. “No somatório do país, a atuação aumentou durante a pandemia, mas houve decréscimo significativo em alguns estados”, aponta Jordão. A autora observa que algumas defensorias mais estruturadas e antigas, como as do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, tiveram queda de 35,93% e 40%, respectivamente, na atuação perante o STF no primeiro ano de pandemia, o que pode sinalizar uma maior dificuldade na utilização de sistemas virtuais de atendimento ao cidadão no momento em que o atendimento presencial foi suspenso.
Segundo os dados do repositório do STF, o Habeas Corpus foi o recurso mais utilizado pela Defensoria Pública na Corte durante a pandemia, com 1398 ocorrências, ou mais de 83% do total. A pesquisadora identificou 113 ocorrências que evidenciam a dupla vulnerabilidade da população carcerária diante da covid-19: 37,16% dos Habeas Corpus buscavam proteger pessoas idosas, 23%, gestantes ou mães de crianças de até 12 anos, 16,81%, pessoas com comorbidades e 15,92%, presos provisórios. “Apesar da diminuição da atuação em alguns estados, a pesquisa mostra que a Defensoria Pública conseguiu navegar na contingência da pandemia e a política pública foi mantida, levando-se ao tribunal os interesses e a defesa do cidadão, com foco na defesa das pessoas com restrição de liberdade”, observa Jordão.
O relatório ainda destaca que 69,02% das decisões sobre Habeas Corpus para grupos vulneráveis foram monocráticas, ou seja, tomadas por um só ministro. Além disso, 61,06% dos casos tiveram negativa de seguimento e apenas 3,53% foram acatados. Segundo a autora, que também atua como defensora pública do estado de São Paulo, isto mostra que não há apreciação colegiada dos casos, e a posição do STF acaba por ser amplamente desfavorável à população vulnerável.
Para a pesquisadora, o estudo reforça a necessidade de que o STF padronize os dados que divulga, possibilitando a realização de mais pesquisas empíricas. “Iniciativas como a da Cátedra fomentam pesquisas e análises sobre a atuação da Corte, aumentando o espaço de contribuição da academia para a melhora da prestação jurisdicional”, completa Jordão.