Governos de todo o mundo dependem cada vez mais de parcerias público-privadas (PPPs) e outros contratos públicos com empresas privadas para oferecer serviços à população. No entanto, esses contratos nem sempre seguem o rumo planejado. Mudanças na economia, crises como a pandemia de COVID-19 ou até avanços tecnológicos podem exigir renegociações, muitas vezes vistas como falhas. Mas será que renegociar é sempre ruim? Uma pesquisa recente indica que, em alguns casos, as renegociações podem ser ajustes positivos, trazendo ganhos de eficiência e mais valor para o público.
O estudo foi conduzido por Fernando Deodato Domingos (FGV EAESP) em coautoria com Carolyn Heinrich, Stéphane Saussier e Mehdi Shiva e publicado na Journal of Public Administration Research and Theory. Os pesquisadores analisaram mais de 12 mil contratos renegociados na plataforma Tenders Electronic Daily (TED), ligada às contratações públicas da União Europeia. Por meio de técnicas estatísticas avançadas, eles investigaram como os critérios usados na escolha de fornecedores e a complexidade dos contratos influenciam a forma e o momento das renegociações.
Discricionariedade e complexidade em contratos públicos: como isso afeta renegociações e valor para a sociedade
A pesquisa revelou que quando os gestores têm mais liberdade para escolher os fornecedores, as renegociações tendem a parecer cooperação em vez de falha. Além disso, esses contratos geralmente demoram mais para serem renegociados, o que sugere maior estabilidade.
No entanto, a história muda quando os contratos são muito complexos — envolvendo múltiplas partes, riscos ou cláusulas detalhadas. Nesses casos, a complexidade reduz os benefícios da discricionariedade, porque cria barreiras de proteção que, ao mesmo tempo em que evitam abusos ou corrupção, limitam a flexibilidade para ajustes cooperativos.
Esses achados são valiosos para governos e gestores públicos que lidam diariamente com licitações e contratos bilionários. Em vez de tratar renegociações como sinais de fracasso, a pesquisa mostra que elas podem ser ferramentas de adaptação, permitindo ajustes diante de situações inesperadas.
Por outro lado, a mensagem central é que não existe fórmula única: em contratos menos complexos, dar mais liberdade ao gestor pode incentivar relações mais colaborativas e estáveis. Já em contratos complexos, essa liberdade precisa de equilíbrio com mecanismos de controle que evitem riscos oportunistas.
Por fim, o estudo reforça que a governança das contratações públicas deve encontrar um ponto de equilíbrio entre flexibilidade e responsabilidade. Em um contexto no qual as compras governamentais representam de 12% a 14% do PIB dos países, melhorar a forma como contratos são geridos pode gerar ganhos enormes para a sociedade.
Mais do que um debate técnico, a pesquisa evidencia que a maneira como governos estruturam seus contratos impacta diretamente o valor público entregue aos cidadãos. Em tempos de incerteza, compreender a interação entre discricionariedade e complexidade pode ser a chave para contratos mais eficientes, cooperativos e sustentáveis.
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