Quando falamos em serviços públicos, geralmente pensamos em políticas, programas e decisões vindas de cima para baixo. Mas, na prática, quem garante que os serviços aconteçam são os trabalhadores da linha de frente – como professores, enfermeiros, assistentes sociais e agentes comunitários de saúde. Porém, em comunidades altamente vulneráveis, onde há pobreza, violência e desconfiança nas instituições, esses profissionais enfrentam desafios que vão muito além do que se aprende na sala de aula na formação profissional. É nesse contexto que a pesquisa da professora Gabriela Lotta (FGV EAESP), em coautoria com Steven Maynard-Moody e Michael Musheno, publicada na prestigiada Public Management Review, lança luz sobre o papel do conhecimento para mobilizar diferentes trabalhadores que atendem essa população.
O estudo analisou 98 entrevistas com trabalhadores de linha de frente em quatro comunidades vulneráveis de São Paulo. Os entrevistados incluíram 40 professores, 20 enfermeiros, 20 agentes comunitários de saúde e 18 assistentes sociais. A metodologia combinou teoria e empiria: os pesquisadores partiram de conceitos já existentes, ouviram as experiências dos profissionais e voltaram às análises teóricas para interpretar os resultados.
A pesquisa identificou três tipos de conhecimento mobilizados por estes trabalhadores para lidarem com a situações cotidianas de seu trabalho:
- Conhecimento profissional – ligado à formação escolástica e acadêmica, aos diplomas e credenciais. Embora seja uma fonte de status, esse tipo de conhecimento muitas vezes é limitado pela falta de recursos e condições de trabalho. Por exemplo, enfermeiros e professores têm conhecimento técnico aprofundado, mas nem sempre conseguem aplicar o que aprenderam por falta de equipamentos ou apoio.
- Conhecimento socializado – construído no dia a dia, a partir de interações entre colegas nos ambientes de trabalho. É transmitido em treinamentos, reuniões e trocas informais, mas pode não ser desenvolvido quando as organizações não criam espaços para colaboração.
- Conhecimento experiencial – adquirido no contato direto com os cidadãos. Inclui o “aprender fazendo”, a capacidade de improvisar e de adaptar soluções à realidade. Em contextos de incerteza, esse tipo de conhecimento se mostra indispensável, aproximando os profissionais da comunidade.
Qual o papel do conhecimento em comunidades vulneráveis
O estudo mostra que nenhum tipo de conhecimento, sozinho, é suficiente. O conhecimento profissional garante legitimidade e status, mas é limitado diante da complexidade dos problemas reais. O socializado depende de espaços de troca que muitas vezes não existem. Já o experiencial permite respostas rápidas e contextualizadas, mas pode reproduzir preconceitos ou práticas pouco alinhadas a padrões profissionais.
Por isso, os autores defendem que gestores públicos precisam valorizar todas as formas de conhecimento. Criar ambientes de troca entre trabalhadores mais e menos qualificados, dar espaço ao aprendizado prático e integrar experiências vividas à formação acadêmica são caminhos para melhorar a qualidade dos serviços públicos.
Em resumo, a pesquisa reforça que o trabalho de linha de frente é improvisacional e pragmático: ele se reinventa todos os dias, buscando equilibrar teoria, prática e experiência para atender melhor comunidades que mais precisam.
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