Alexandre Cristiano Rosaneli, Doutorando em Administração pela FGV EAESP. CFO do Grupo Cesari S.A
Quando o Walmart adquiriu a Jet.com por mais de US$ 3 bilhões em 2016, não comprava apenas um site, comprava a cultura inovadora de Marc Lore. Mark Zuckerberg costuma dizer que adquire empresas não por seus produtos, mas pelo talento e pela mentalidade das pessoas. Em fusões e aquisições, 75% a 95% dos CEOs reconhecem que o alinhamento cultural é fator decisivo. Está aí um dado revelador: a cultura organizacional não é um acessório da estratégia, ela é o próprio motor de criação de valor. E isso vale tanto para multinacionais quanto para empresas brasileiras de qualquer porte.
Ao observar os mapas de calor, os indicadores de desempenho e os painéis de gestão que enchem as salas da alta liderança, percebo uma contradição recorrente: apesar de toda essa parafernália analítica, seguimos prisioneiros de velhos problemas, áreas que não se comunicam, estratégias que empacam no meio do caminho, empresas que não conseguem reagir a tempo às mudanças do mercado. A raiz está no que escolhemos medir: mensuramos obsessivamente o que é fácil mensurar e negligenciamos o que realmente move os resultados, a cultura.
Cultura não é PowerPoint. É o conjunto de hábitos, crenças e microdecisões que moldam o comportamento organizacional quando ninguém está olhando. É aquela voz silenciosa que diz “assim fazemos aqui” antes mesmo de qualquer planilha ser aberta. E, quando essa voz está sintonizada com o propósito da empresa, tudo flui: os processos se agilizam, as equipes se engajam, o valor entregue aumenta e o valor da empresa acompanha. Mas, quando a cultura está desalinhada, o que se instala é a entropia: ruído, retrabalho e perda de valor.
Considere uma construtora que decidiu reduzir custos flexibilizando as escalas de trabalho e contratando apenas sob demanda. A conta parecia fechar no Excel: menos horas improdutivas, menos folha fixa. O que o Excel não previa era o aumento nos acidentes, nos sinistros e no valor dos seguros. O turnaround só veio quando a diretoria alterou o indicador principal de “metros quadrados construídos” para “metros quadrados construídos sem acidentes”. A métrica mudou, mas o que de fato mudou foi a cultura e, com ela, o valor da empresa.
Outro caso: duas empresas de tecnologia iniciaram projetos semelhantes de transformação digital. A primeira, apesar de investimentos significativos, fracassou em seis meses. Os silos permaneceram, os sistemas legados foram mantidos, e ninguém se sentia parte da mudança. A segunda teve sucesso porque começou pelo intangível: mapeou sua cultura, identificou os líderes informais e criou um time de “embaixadores” do projeto, capazes de traduzir o propósito em ações práticas e relevantes. Resultado? Engajamento, adesão e retorno sobre investimento positivo sem mágica, apenas coerência entre discurso e prática.
Agora pergunto: qual dessas empresas vale mais? A resposta é clara. Quando propósito e cultura se reforçam mutuamente, temos um ciclo virtuoso que impulsiona produtividade, reputação e valor. Do lado oposto, quando a cultura contradiz o discurso estratégico, instala-se o ciclo vicioso da desconfiança e o valor da empresa escorre por entre os dedos.
Mas, como tornar a cultura tangível e gerenciável? Comece transformando valores em critérios reais de decisão: não basta ter “segurança” como valor se os bônus continuam atrelados apenas à produtividade. É preciso reescrever as regras de incentivo para refletir, de fato, os valores da organização. Mapeie e mobilize influenciadores internos: identifique os líderes informais, aqueles cuja opinião molda o comportamento coletivo, e envolva-os nos projetos estratégicos. A cultura se propaga pelas bordas, não pelo organograma.
Alinhe cultura e performance: inclua indicadores culturais nos dashboards da gestão. Métricas como satisfação do cliente interno, índice de alinhamento comportamental ou aderência a práticas de governança colaborativa ajudam a monitorar o que realmente importa. Afinal, o que não é medido, não melhora.
Reforce as narrativas fundadoras: conte, e reconte, as histórias que expressam o “jeito de ser” da empresa. Inclua essas histórias em programas de treinamento e na formação de lideranças. Casos emblemáticos têm mais poder de alinhar comportamentos do que qualquer manual corporativo. Crie rituais de reforço: celebre comportamentos que traduzem a cultura desejada. Cerimônias simples, premiações simbólicas e feedbacks públicos são instrumentos poderosos de socialização cultural e pavimentam o caminho entre propósito e prática.
Tudo isso tornará sua organização mais valiosa, refletindo-se nos resultados, na percepção de mercado e, sobretudo, na sua resiliência diante da incerteza. Empresas com cultura forte não apenas sobrevivem a crises: elas crescem acima da média porque sabem que o que não está nos balanços é justamente o que sustenta o verdadeiro valor da organização.
A cultura organizacional é o elo perdido entre a intenção estratégica e a entrega real de valor. É ela que garante que o “como” seja tão poderoso quanto o “o quê”. Em tempos turbulentos, o verdadeiro diferencial competitivo não está apenas nos ativos tangíveis, mas naquilo que ninguém pode copiar: o modo como sua empresa pensa, decide e age.
Cultura é capital, e dos mais valiosos.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão













