Rodrigo Rocha Gimenez, Aluno do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP, Executivo de Estratégia e Transformação.
Leo sempre teve o espírito inquieto. Ainda na faculdade, enxergou na rotina caótica das clínicas médicas uma oportunidade. Ao lado de um sócio técnico, criou uma solução digital simples, mas eficaz, para melhorar o agendamento e o fluxo de atendimento. A ideia nasceu da dor observada em consultórios sobrecarregados — e rapidamente ganhou tração. Clientes chegavam por indicação, a receita crescia, e Leo sentia orgulho de estar no centro de tudo: da estratégia à entrega.
Com esforço, noites em claro e uma boa dose de improviso, a startup ganhou corpo. Mas o que começou com liberdade e entusiasmo passou a se tornar um campo minado de decisões difíceis. O modelo artesanal já não dava conta da complexidade do crescimento.
O volume de demandas explodia: mais usuários, mais suporte, mais pressão por evolução tecnológica e, inevitavelmente, mais responsabilidade. Leo ainda tomava quase todas as decisões, participava de reuniões técnicas, comerciais e até resolvia chamados de clientes. A sensação de controle absoluto, que antes trazia conforto, agora se tornava um gargalo. Foi nesse momento que surgiu a proposta de investidores-anjo: um aporte financeiro relevante — desde que viesse acompanhado de metas, governança e um time profissionalizado.
O dilema era inevitável. Renunciar a parte do controle? Prestar contas? Conselhos? Ver executivos externos decidindo o futuro de algo que ele havia criado com as próprias mãos? O medo não era apenas técnico — era (principalmente) emocional. E, mesmo assim, Leo sabia que o modelo atual não sustentaria o próximo salto.
Esse tipo de dilema é mais comum do que se imagina. A inovação costuma nascer de uma combinação entre intuição, problemas mal resolvidos e visão de oportunidade. Mas escalar um negócio exige mais do que criatividade — exige disciplina. Como já afirmaram estudiosos da inovação, ideias só se tornam soluções reais quando conectadas a processos, recursos e liderança coerente.
Profissionalizar não é trair o propósito — é protegê-lo do caos. Significa sair do centro de todas as decisões para construir uma organização capaz de se sustentar além do fundador. Isso envolve contratar pessoas melhores do que você em determinadas áreas, estabelecer fluxos claros de decisão e aceitar que a cultura precisa evoluir junto com o negócio.
A maior armadilha é confundir controle com segurança. Manter tudo sob sua responsabilidade pode parecer eficiente no curto prazo, mas no longo, é insustentável. Por outro lado, abrir demais sem preparo pode descaracterizar o que há de mais valioso: a identidade da empresa. Por isso, essa transição exige diálogo, clareza de papéis e alinhamento de valores. Exige coragem — não a de começar, mas a de transformar.
Ao final do dia, a escolha de Leo não é apenas sobre aceitar ou não um investimento. É sobre reconhecer que a liderança que cria uma empresa não é, necessariamente, a mesma que irá conduzi-la em sua virada. E que saber quando mudar é, também, um sinal de liderança.
Leo é um personagem fictício, mas seu dilema é real — e pode ser o seu. Se você lidera um negócio em crescimento, talvez esteja prestes a enfrentar essa mesma bifurcação. A decisão mais difícil pode ser, justamente, aquela que garantirá que o seu sonho continue crescendo, mesmo quando você não puder mais estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão