Alexandre Cristiano Rosaneli, Doutorando em Administração pela FGV EAESP, CFO do Grupo Cesari S.A
Empresas familiares dominam a economia brasileira, representando aproximadamente 90% das organizações e respondendo por cerca de 65% do PIB nacional. Apesar dessa relevância econômica, elas frequentemente enfrentam desafios específicos relacionados à tomada de decisões financeiras. Esses desafios são frequentemente impulsionados por vieses cognitivos, que se originam de relações pessoais intensas e da cultura fortemente enraizada na tradição familiar.
Entre os vieses mais prevalentes nas decisões financeiras em empresas familiares estão o viés de confirmação, o excesso de confiança e o viés de representatividade. O viés de confirmação leva gestores a selecionar informações que reforçam suas crenças prévias, prejudicando a identificação objetiva de riscos e oportunidades. O excesso de confiança leva à superestimação das próprias capacidades, resultando em decisões arriscadas, especialmente relacionadas à sucessão empresarial. Já o viés de representatividade induz os líderes a generalizarem sucessos anteriores em contextos diferentes, muitas vezes desconsiderando variáveis específicas e relevantes.
Para enfrentar esses desafios, a implementação de data analytics torna-se uma ferramenta poderosa. Ao analisar grandes volumes de dados de desempenho organizacional, o data analytics reduz a subjetividade e melhora significativamente a qualidade e assertividade das decisões.
Empresas como Mars, Ferrero Group e Lego demonstraram benefícios concretos na redução de custos, aumento na eficiência operacional e melhoria significativa nos resultados financeiros por meio da adoção dessa tecnologia.
No entanto, a simples aplicação da tecnologia não basta para garantir decisões eficazes. O julgamento, parte essencial da tomada de decisões, é uma atribuição da liderança e deve ser feita com prudência. Conhecido na filosofia aristotélica como phronesis, a prudência do julgamento na tomada de decisão, é uma prática que não só incorpora as informações obtidas pelos dados, mas também considera contextos éticos e culturais específicos. A phronesis ajuda os líderes a refletirem sobre as decisões do desempenho organizacional, considerando tanto as particularidades do contexto empresarial familiar quanto os impactos sociais e morais das suas escolhas.
Empresas familiares como a Mars, SC Johnson e Ferrero demonstraram, na prática, como essa combinação é benéfica. Essas empresas utilizaram data analytics para otimizar cadeias de suprimentos, aumentar a precisão das previsões de demanda e compreender melhor os consumidores. O resultado foi significativo, com melhorias expressivas na eficiência operacional e aumento na rentabilidade. Esses casos exemplificam claramente os benefícios tangíveis da combinação de tecnologia com julgamento prudente, garantindo decisões informadas e equilibradas.
Portanto, as empresas familiares que conseguem combinar de forma eficaz o uso de data analytics e phronesis tendem a alcançar um melhor desempenho financeiro, com redução significativa dos vieses decisórios. Essa abordagem permite decisões mais equilibradas e informadas, conciliando tradição e inovação, preservando o legado e a identidade cultural, enquanto exploram oportunidades modernas e tecnológicas. O investimento na criação de uma equipe especializada em análise de dados, aliado à governança adequada dessas informações, é fundamental para assegurar que as decisões sejam tomadas com base em dados confiáveis e relevantes.
Mais de 2000 anos, desde Aristóteles, as decisões devem guiadas pela prudência e ética humana, que representa não apenas uma estratégia eficaz para reduzir vieses cognitivos, mas também fortalece a sustentabilidade e resiliência das empresas familiares brasileiras. A integração consciente dessas abordagens proporciona não apenas melhor desempenho financeiro, mas também reforça valores culturais e sociais que são o diferencial dessas organizações. Assim, as empresas familiares podem, simultaneamente, preservar seu legado histórico e impulsionar seu crescimento econômico, contribuindo para uma economia mais estável e sustentável.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão