Vinícius Farias, aluno do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP. Superintendente do FGV In Company.
Nos últimos anos, muito se tem falado sobre o “futuro do trabalho” e o novo perfil de líderes capazes de navegar em ambientes complexos, de transformação digital e adaptabilidade. No entanto, ainda damos pouca atenção a uma pergunta central: as organizações que temos hoje permitem que essas novas lideranças floresçam?
A resposta, em muitos casos, é negativa. Isso porque as organizações ainda se estruturam como uma pirâmide tradicional, partindo de uma cadeia de comando verticalizada, com centralização de decisões no topo e rigidez nos papéis e processos. Essa arquitetura, herdada de uma lógica industrial do século XX, é eficiente para controlar, padronizar e escalar processos, mas não para promover colaboração, experimentação e desenvolvimento de lideranças dinâmicas.
Atualmente, o discurso sobre desenvolvimento de lideranças transformacionais está em toda parte. Programas de formação proliferam, abordando temas como inovação e criatividade, colaboração, gestão de equipes híbridas, mindset digital, ágil e empreendedor. Contudo, há um descompasso fundamental: tentarmos formar lideranças transformadoras dentro de estruturas que pouco toleram transformação. É como regar sementes no concreto e esperar um resultado diferente do que todos sabemos.
Modelos organizacionais tradicionais funcionam com base em previsibilidade, comando, controle e hierarquia. Já as competências exigidas dos líderes no futuro do trabalho, tais como adaptabilidade, escuta ativa, pensamento sistêmico e gestão de ambiguidade, demandam estruturas mais fluidas, horizontais e abertas à aprendizagem. Assim, a questão não é apenas o que ensinamos sobre liderança, mas onde essas lideranças são chamadas a atuar.
Henry Mintzberg, um dos teóricos mais influentes no campo da administração, identificou cinco configurações organizacionais típicas, cada uma com diferentes formas de coordenação e distribuição de poder. Há o modelo chamado de “adhocracia”, por exemplo, que favorece a colaboração entre especialistas e a experimentação contínua, por isso é justamente o tipo de ambiente em que lideranças transformacionais prosperam. Já o modelo conhecido por “burocracia profissional” valoriza a expertise técnica e a autonomia, características fundamentais para líderes em setores complexos. O ponto é que há outras possibilidades e que o desenho organizacional influencia diretamente o que se espera e, principalmente, o que se permite de um líder.
Em estruturas rígidas e verticalizadas, a autonomia é vista como risco. Já em formatos mais abertos e distribuídos, como redes, squads ou plataformas, a autonomia é pré-requisito para o funcionamento coletivo. Há uma série de estudos, como o de Wellman et al. (2020)[i], que mostram o quanto hierarquias alternativas, como as invertidas ou em rede, podem aumentar significativamente o desempenho de equipes diante de tarefas complexas e ambíguas (contexto cada vez mais comum em organizações que lidam com transformação digital, inovação ou impacto social). Esses modelos desafiam a lógica da autoridade formal e abrem espaço para a emergência de lideranças mais distribuídas e situacionais.
Se queremos líderes mais preparados para lidar com ambiguidade, complexidade e transformação, precisamos dar atenção aos ecossistemas que moldam seu comportamento diário. O design organizacional é um deles e talvez o mais poderoso. Ele define como circulam as decisões, quem tem acesso à informação, quais são os incentivos e quais os limites de atuação. Esse desenho precisa ser discutido e definido no âmbito estratégico.
Ao mantermos estruturas tradicionais corremos o risco também de minar internamente a potência de programas de formação e desenvolvimento de liderança transformacional. É comum ouvir que “as pessoas voltam inspiradas das capacitações, mas esbarram na cultura ou na estrutura ao tentarem aplicar algo novo”. Isso não é falha do conteúdo ou de abordagem, e sim da coerência sistêmica e alinhamento estratégico.
Por outro lado, organizações que revisam suas arquiteturas internas criam ambientes mais favoráveis ao exercício pleno da liderança, nos quais os líderes podem experimentar, escutar suas equipes, errar com responsabilidade e aprender coletivamente. Nesses contextos, liderar deixa de ser um privilégio de poucos e passa a ser uma prática distribuída, mais próxima da ideia de liderança como capacidade de influenciar contextos e não apenas cargos.
É sabido que futuro do trabalho exige lideranças mais humanas, flexíveis e interdependentes. Entretanto, essas lideranças não emergem por decreto. Elas precisam de espaço, incentivo e estrutura para se desenvolver, como plantas que, além do solo adequado, precisam de doses certas de água e de luz. Por isso, é hora de olhar para dentro das organizações e perguntar: nosso desenho estrutural está servindo de adubo ou de praga para a liderança que queremos cultivar?
Repensar a arquitetura organizacional não é uma tarefa trivial. Exige coragem para confrontar modelos mentais antigos, disposição para redesenhar fluxos de poder e compromisso com processos mais participativos. É, entretanto, um passo necessário, uma vez que não basta formar líderes para o “futuro”; é preciso também construir organizações onde esse futuro possa, de fato, florescer hoje.
[i] Wellman, N., Applegate, J. M., Harlow, J., & Johnston, E. W. (2020). Beyond the pyramid: Alternative formal hierarchical structures and team performance. Academy of Management Journal, 63(4), 997-1027. https://doi.org/10.5465/AMJ.2017.1475
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão













