A hegemonia ocidental no desenvolvimento de tecnologias digitais tem reproduzido desigualdades históricas, marginalizando saberes locais e indígenas. Sendo assim, cresce o interesse por modelos de inovação mais inclusivos e socialmente comprometidos. No campo dos Sistemas de Informação (SI), iniciativas decoloniais ganham força ao propor tecnologias centradas na realidade de comunidades marginalizadas, como alternativa às soluções padronizadas e globalizadas. Um exemplo promissor é o uso de criptomoedas solidárias aliadas à economia solidária latino-americana.
A pesquisa foi conduzida por Bruno Henrique Sanches, Marlei Pozzebon e Eduardo Henrique Diniz, pesquisadores da FGV EAESP, e publicada na prestigiada Information Systems Journal. Por meio de uma metodologia de design etnográfico, os autores acompanharam durante seis meses o desenvolvimento do projeto Crypto-Sol. Ela é uma criptomoeda solidária criada em uma favela brasileira com a colaboração de organizações comunitárias, acadêmicos e uma startup de blockchain. Dessa forma, a observação participante foi o principal método de coleta de dados, garantindo uma compreensão profunda do contexto e das dinâmicas locais.
Gestão e solidariedade coexistindo para criar uma criptomoeda solidária
No centro do estudo está a proposta de descolonizar os Sistemas de Informação. A pesquisa revela que o desenvolvimento do Crypto-Sol desafiou a visão tecnocrática convencional ao integrar valores da tecnologia social, como a centralidade do local, a ecologia de saberes e a justiça epistêmica. Isso significa reconhecer que os saberes locais não são “menos técnicos”, mas sim outras formas legítimas de conhecimento.
Portanto, o projeto revelou duas visões em constante tensão: um quadro centrado na gestão, focado na eficiência e controle do processo de desenvolvimento blockchain, e um quadro centrado na solidariedade, guiado por princípios de autogestão, engajamento comunitário e transformação social. Esses dois modos de pensar não foram excludentes, mas coexistiram por meio da mediação de atores intermediários.
O segredo é usar o conhecimento de intermediários para encontrar a harmonia
Esses atores intermediários — como pesquisadores engajados e líderes comunitários com formação técnica — atuaram como pontes entre os dois mundos. Além disso, sua habilidade em traduzir entre as linguagens da solidariedade e da tecnologia foi fundamental para o progresso do projeto. Essa atuação tem raízes na extensão universitária, muito comum nas universidades públicas brasileiras, conectando ciência e comunidade.
Por fim, o conceito de tensão dialógica epistêmica emerge como uma inovação teórica importante. Ele descreve o processo no qual diferentes formas de conhecimento coexistem e se adaptam mutuamente, promovendo soluções mais plurais e culturalmente sintonizadas. Portanto, o estudo mostra que, ao reconhecer essa diversidade, é possível construir tecnologias mais justas, sustentáveis e enraizadas nas realidades locais. Esse é um passo crucial para a verdadeira transformação digital na América Latina.
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Nota 2: imagem elaborada por Inteligência Artifical.