A partir da década de 2013, com intensificação da crise econômica, aumento das taxas de desemprego e consequente precarização do mercado de trabalho, as políticas públicas da cidade de São Paulo adotaram o empreendedorismo individual como principal alternativa para inserção de jovens no mundo profissional, em detrimento das ações para geração de empregos. A constatação é de artigo publicado na revista “Cadernos Gestão Pública e Cidadania” e assinado pelos pesquisadores da FGV EAESP Luís Paulo Bresciani e Maria Eduarda Raymundo Nogueira e pela pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Maria Carla Corrochano.
Os autores elaboraram o Mapa de Políticas Públicas para a Juventude e o Trabalho, que reúne 13 iniciativas da prefeitura e do governo estadual de São Paulo vigentes no ano de 2020. O levantamento foi realizado a partir do Programa de Metas das Gestões Covas, Doria e Haddad, do Plano Plurianual do quadriênio 2018 a 2021 e das Leis de Diretrizes Orçamentárias de 2018 e 2019. O Mapa identifica as mudanças nas políticas públicas de geração de trabalho e renda para a juventude paulistana na última década e verifica que jovens da periferia sofrem com desigualdades de inserção profissional, cenário agravado pela pandemia de Covid-19. A pesquisa contou com o apoio do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da Fapesp.
O Mapa apresentado no artigo subsidiou as ações do Projeto Coletiva Jovem, executado pela UFSCar, pela FGV EAESP e por outras instituições de ensino e organizações da sociedade civil entre 2020 e 2022, e que hoje segue sob coordenação da associação Ação Educativa. A iniciativa de pesquisa-ação busca contribuir para políticas públicas em prol do direito dos jovens ao trabalho digno, além de apoiar a articulação entre jovens que são empreendedores e coletivos juvenis. Maria Carla Corrochano destaca que, apesar da quantidade de programas identificados pela pesquisa no período, apenas 10% dos 103 jovens entre 18 e 29 anos entrevistados pelo Coletiva Jovem recebiam algum tipo de apoio efetivo do poder público, como crédito para implementação de um negócio.
Incentivo ao empreendedorismo individual não é suficiente para atender necessidades concretas dos jovens
“95% dos jovens das periferias que tinham um pequeno empreendimento alegaram ter como local de trabalho a própria casa, a casa de um dos membros ou não ter local específico. Os rendimentos obtidos com o empreendimento são baixos, em média menos de um salário mínimo, o que explica que a totalidade deles esteja procurando ou tenha um outro trabalho além do empreendimento. Além disso, todos trabalhavam muito, o que em vários casos dificulta a continuidade do processo de escolarização”. Assim, as políticas públicas para esta faixa etária deveriam ser diversificadas, adaptadas a cada realidade, ressalta Corrochano. Conforme a pesquisadora, cerca de metade dos entrevistados veem a insegurança de renda mensal e a falta de direitos como principais desvantagens do empreendedorismo.
Segundo dados de 2022, a população paulistana entre 15 e 29 anos é estimada em 2,1 milhões de pessoas, representando 21% do total dos habitantes da capital, ressalta o artigo. Corrochano explica que os programas mapeados não atendem às necessidades concretas dos jovens. “Os jovens que entrevistamos e estão engajados em pequenos empreendimentos não se engajam apenas por necessidade de renda. Muitos estão em busca de um trabalho com sentido, de um trabalho que lhes proporcione mais realização diante dos empregos que lhes são oferecidos pelo mercado de trabalho”, analisa Corrochano.
A pesquisadora destaca que o debate sobre ações públicas para a juventude brasileira deve englobar a dimensão do trabalho e considerar, sobretudo, a experiência das camadas populares. Corrochano destaca que quase 70% dos jovens entre 15 e 29 anos no Brasil trabalham ou buscam trabalho, mas as políticas não olham para a qualidade desse trabalho nem para questões relacionadas, como desigualdades de gênero, étnico raciais e geracionais. “Que outras possibilidades de políticas podem ser construídas? Políticas que fortaleçam a organização coletiva para geração de trabalho e renda, tais como cooperativas populares, economia solidária, a geração de trabalho no próprio setor público e o aumento do emprego formal, com direitos assegurados”, aponta a autora.