A criação de um banco comunitário pela Prefeitura de Niterói, que utiliza uma moeda social como base de suas operações, representou uma mudança nas políticas de transferência de renda no município durante a pandemia. Além do contexto de urgência sanitária, a possibilidade de parcerias entre o setor público e organizações não governamentais e o aprendizado a partir de experiências semelhantes em municípios vizinhos favoreceram a implementação da moeda. A constatação está em artigo de pesquisadores da FGV EAESP publicado na revista “International Journal of Community Currency Research”.
O estudo analisa os processos que envolvem o banco comunitário Arariboia, fundado em junho de 2021, que hoje atende mais de 30 mil famílias de Niterói inscritas no Cadastro Único. Os chefes de família recebem a partir de 250 reais mensais. O benefício, disponível digitalmente em cartão ou aplicativo, pode ser utilizado em estabelecimentos locais credenciados, como mercados, padarias e farmácias. Os autores coletaram dados de documentos e notícias de 2020 a 2022 e realizaram imersão em campo em duas etapas, nos anos de 2022 e 2023, antes e depois da implementação do Arariboia, para conversar com líderes sociais e políticos e moradores de Niterói e de cidades vizinhas.
A pesquisa verifica, a partir do caso de Niterói, que o município deixa de ser apenas um intermediário da política nacional e assume autonomia na implementação da renda básica. Trata-se de uma mudança institucional, conforme Leonardo Oliveira, pesquisador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV EAESP e um dos autores do estudo. “Essa mudança institucional transforma a política de transferência de renda em um motor do desenvolvimento por meio da economia solidária. Assim, o município consegue ser o ator principal do seu próprio desenvolvimento”, descreve.
O artigo explica que a operação do banco comunitário é mantida através do Instituto E-Dinheiro, uma organização da sociedade civil desenvolvida pelo Banco Palmas, primeiro banco comunitário do Brasil, e pela Rede Brasileira de Bancos Comunitários. Além de Niterói, outras prefeituras têm adotado a mesma plataforma em seus bancos comunitários para fomentar o desenvolvimento social e econômico local. A plataforma também conquistou a adesão de 48 bancos comunitários independentes, estabelecidos pelos próprios moradores em 17 estados brasileiros. A tecnologia do E-Dinheiro consegue atender a demanda específica de cada prefeitura, como possibilitar empréstimos, transferências e comercialização de bens e serviços na moeda social. Oliveira observa: “Todas essas transações aumentam a capacidade do ente público de associar outras políticas com objetivos que não somente a transferência de renda direta”.
O município vizinho de Maricá também opera um banco comunitário desde 2013, o Mumbuca, experiência que serviu de aprendizado para o Arariboia. Nas duas cidades, as políticas de combate às desigualdades sociais têm sido mantidas com os royalties recebidos pela exploração de petróleo. Segundo Oliveira, o desafio é fazer com que essa política seja sustentável a longo prazo. Por isso, tanto a legislação de Niterói como a de Maricá destinam parte desses recursos para um fundo cujo rendimento deve financiar as políticas de transferência de renda no futuro, quando não houver mais royalties, destaca o pesquisador.
Segundo Oliveira, o artigo abre caminho para estudos quantitativos sobre o fenômeno verificado em Niterói, denominado novo municipalismo. “Uma série de atividades que seriam de responsabilidade do governo central deveriam estar sob a responsabilidade do ente local porque é o município que está atendendo o cidadão de forma direta. Quando a gente precisa de um serviço de saúde, de educação, de segurança, é o município que a gente vai procurar. O que difere o Brasil de outros locais é justamente o município ser um ente federado, ter a sua própria Constituição, que é a lei orgânica, e autonomia para buscar financiamento”, finaliza.