Com o crescimento da disseminação do novo coronavírus no Brasil, os agentes prisionais, ou policiais penais, estão na berlinda da crise, na medida em que o sistema carcerário poderá concentrar uma das maiores taxas de infecção e mortalidade decorrentes da Covid-19 no país. Somente no sistema prisional de São Paulo, até o momento foram registradas 22 mortes, sendo 12 de agentes penitenciários. Além do risco de serem contagiados, esses profissionais, por serem os únicos que ainda interagem com os presidiários, podem se transformar em vetores de transmissão da doença dentro do sistema. Além disso, as condições já tensas e precárias desse trabalho se acentuam frente à crise.
Para tentar compreender o impacto da Covid-19 sobre os agentes prisionais, o Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) da EAESP FGV, realizou a pesquisa “A pandemia de Covid-19 e os agentes prisionais no Brasil”. O survey online foi realizado com 301 agentes de todas as regiões do Brasil, entre os dias 15 de abril e 1º de maio de 2020.
Os resultados indicam que o medo é um sentimento comum para os agentes prisionais. Segundo os dados coletados, 82,39% dos agentes sentem medo da Covid-19 e mais de 54% deles conhecem amigos ou colegas que já se contaminaram. Além do medo de contaminação pela doença, os agentes prisionais sentem medo de levar o novo coronavírus para dentro do sistema prisional. E relatam também o aumento do medo relativo à tensão que, embora sempre presente no sistema carcerário, aumentou pela própria necessidade de isolamento dos presos.
“A pesquisa mostra que esses profissionais, para os quais não há a opção de home office e que precisam continuar na ativa, em um trabalho que é eminentemente interativo, estão fortemente sujeitos ao contágio. Além disso, trata-se de um trabalho feito em condições tradicionalmente precárias. O ambiente insalubre das prisões e a superlotação do sistema carcerário colocam esses profissionais e os próprios presos em uma situação extremamente vulnerável e de potencial catástrofe humana. Tudo isso aumenta o medo destes profissionais”, avalia Gabriela Lotta, professora da EAESP FGV, coordenadora do NEB e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole.
Despreparo
Oito em cada dez agentes prisionais entrevistados também não se sentem preparados para lidar com a crise da Covid-19 ou não souberam responder. De acordo com os autores do estudo, a sensação de medo e de despreparo pode ser explicada pela falta de equipamentos de proteção individual (EPI), de suporte governamental e de acesso a treinamentos. A grande maioria dos profissionais afirma não ter recebido orientações ou ações oficiais de formação para o enfrentamento do novo coronavírus. Apenas 9,3% relatam ter recebido algum treinamento, sendo que na região Norte nenhum agente entrevistado recebeu orientações nesse sentido.
Apenas um terço dos agentes apontam ter recebido EPI, com uma variação entre as regiões, se destacando positivamente a região Sul, onde 53,84% dos profissionais receberam equipamentos, em contraposição à região Norte, onde o indicador chega a 26,66%.
Com relação ao suporte governamental, mais da metade dos entrevistados afirmam não sentir que os governos estaduais os apoiam, sendo que esse número varia também entre regiões – no Sudeste, a sensação de apoio aparece em apenas 11,26% dos entrevistados, enquanto na região Sul o dado chega a 46,15%. Sobre ao apoio direto de seus superiores, 70,43% dizem não sentir esse suporte e 67% disseram não ter recebido instruções das chefias sobre como atuar diante da crise.
“O surgimento da Covid-19 agravou ainda mais questões relacionadas aos quadros de funcionários, tradicionalmente baixos. Em função das licenças de grupos vulneráveis, tem sido ainda mais difícil manter a qualidade de trabalho em algumas unidades. Isso demonstra que, em muitos estados, o trabalho no sistema prisional já adoecia seus colaboradores antes mesmo da pandemia”, afirma Carlos Eduardo Lima, que além de ser co-coordenador da pesquisa, também é policial penal no Paraná.
Escalada no estresse
O estudo também analisou em que medida a crise alterou os processos de trabalho e as interações entre os agentes prisionais e os presos. Mais de 70% dos respondentes afirmaram que as interações com os presos foram afetadas e 63% afirmaram que a crise alterou suas rotinas. Entre as principais mudanças estão a preocupação adicional com medidas de higiene e as mudanças de escala de trabalho e rotinas trabalhistas (como férias, licença etc.). Os agentes penitenciários relatam também mudanças de procedimento para lidar com os detentos, como: redução de escolta; alteração da movimentação dos presos dentro da penitenciária; mudanças relativas ao banho de sol; redução na revista dos presos e das celas e a diminuição de serviços como o trabalho dentro das prisões. Também apontam como mudança importante a maior cobrança de medidas de higiene por parte dos presos.
Os entrevistados relatam que esse cenário tem gerado uma escalada no estresse dentro das prisões na medida em que as visitas familiares estão restritas e em várias unidades prisionais está proibida a entrada de produtos externos.
“Essa situação acaba trazendo também consequências pessoais negativas para os agentes prisionais. Diante de inúmeras incertezas, vários profissionais estão saindo para trabalhar e voltam com medo de contaminar suas famílias. Outro ponto que se agrava é com relação à segurança, pois o novo cenário tem elevado o potencial de novas rebeliões”, afirma Carlos Lima.
Dos 301 respondentes, 27,24% são mulheres, 70,76% homens e 2% preferiram não declarar. Quanto ao tempo de atuação, quase metade (49,50%) dos respondentes atua há pelo menos 10 anos como agente penitenciário. No que se refere ao perfil da amostra, há uma concentração de respondentes que atuam na região Sudeste do país (47,18%), com destaque ao estado de São Paulo, que sozinho computa quase um terço de todos os respondentes.
Baixe aqui o relatório completo.
Fonte: Agência Bori