Planejamentos e pesquisas na área da saúde devem incluir políticas voltadas ao bem-estar dos trabalhadores. Os atuais modelos de gestão apresentam falhas que prejudicam a saúde e a capacidade dos profissionais da área em lidar com crises como a pandemia de Covid-19. São necessárias iniciativas para abordar a igualdade de gênero, as necessidades de trabalhadores migrantes, a prevenção de stress e o gerenciamento da carga de trabalho. Assim, para responder de forma mais adequada às crises globais de saúde, políticas de saúde devem considerar as necessidades individuais dos profissionais da área. Ao mesmo tempo, devem priorizar o enfrentamento às desigualdades e buscar abordagens de governança integrada.
É o que mostra artigo com participação da pesquisadora da FGV EAESP Gabriela Lotta publicado na revista “International Journal of Environmental Research and Public Health”. Para investigar a relevância dos trabalhadores da saúde e os fatores que contribuem para sua proteção e para a prevenção de desigualdades durante uma crise de saúde pública, os autores realizaram duas abordagens comparativas a partir de relatórios, estatísticas públicas e informações de experts de quatro países – Brasil, Canadá, Itália e Alemanha – no âmbito das primeiras duas maiores ondas de Covid-19, entre o início de 2020 e meados de 2021. Os autores explicam que a área de política de saúde comparativa permite explorar as condições institucionais e os progressos políticos em larga escala, possibilitando a comparação entre diferentes países.
A primeira abordagem é uma comparação descritiva baseada numa combinação dos indicadores clássicos de sistemas de saúde – como governança, finanças e provisão – e itens relacionados à força de trabalho em saúde e à Covid-19 – como densidade de profissionais e taxa de pessoas infectadas. Já a segunda baseia-se num estudo de caso das experiências dos quatro países com o gerenciamento da força de trabalho em saúde durante a pandemia.
Bem-estar dos trabalhadores de saúde e os impactos da pandemia de Covid-19
De acordo com a pesquisa, os diferentes sistemas de saúde estudados responderam de forma similar aos desafios relacionados ao bem-estar dos profissionais de saúde durante a pandemia, e estas respostas apresentam problemas semelhantes. Dentre os países estudados, os pesquisadores apontam que nenhum respondeu adequadamente às necessidades dos profissionais de saúde – considerando aspectos relacionados a treinamento, equipamentos, remuneração e proteção contra problemas de saúde físicos e mentais, por exemplo. Os profissionais de cuidado de longa duração – como os que atuam em residências de longa permanência para idosos, por exemplo – foram os mais afetados, apresentando menor disponibilidade de equipamentos de proteção individual do que o setor hospitalar, por exemplo.
Os autores também destacam que a pandemia reforçou desigualdades sociais previamente existentes nos países, com um aumento das desigualdades raciais e de gênero entre os profissionais de saúde e o enfrentamento de maior risco de contração do vírus por trabalhadores imigrantes. Aspectos da governança dos sistemas de saúde também receberam destaque: durante a pandemia, muitas responsabilidades de gestão foram transferidas para o setor organizacional, aumentando a carga de trabalho e o estresse para os profissionais de saúde da linha de frente.
No caso do Brasil, há indícios de que políticas populistas e lideranças autoritárias podem criar riscos significativos para os profissionais de saúde e, ao mesmo tempo, agravar desigualdades sociais. Os pesquisadores enfatizam a importância de analisar a política de força de trabalho em saúde no âmbito das instituições, da governança e da política, percebendo-a como um domínio específico no âmbito da política comparada de saúde.